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“NADA MUDAR PARA QUE TUDO SEJA DIFERENTE”: CONVERSA COM BEYOND ENTROPY
PAULO MOREIRA
For the English version, please acess the following link:
www.artecapital.net/arq_des-99
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Beyond Entropy trabalha com o conceito de energia para a produção de novas formas de prática espacial. É dirigido por Stefano Rabolli Pansera, arquitecto italiano, sediado em Londres. Os projectos de África são co-dirigidos por Paula Nascimento, arquitecta angolana, que estudou e viveu em Londres por mais de uma década, antes de regressar a Luanda. Stefano e Paula fizeram a curadoria da exposição Luanda Encyclopedic City, premiada com o Leão de Ouro na 55.ª Bienal de Veneza (1 de Junho a 24 de Novembro de 2013).
[A conversa ocorreu em Julho de 2013, entre Lisboa, Porto, Luanda e Londres.]
Paulo Moreira
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Em primeiro lugar, parabéns pelo Leão de Ouro na Bienal de Veneza. Gostaria de começar por falar sobre a formação de Beyond Entropy (B/E). Qual o âmbito e quais os objectivos do projecto?
SRP: Beyond Entropy foi criado em 2009, como parte da Architectural Association (AA), em Londres. Na época, estava a dar aulas e estava interessado em explorar um tema específico: a energia. Acredito que esta é uma questão central no discurso arquitectónico contemporâneo, mas muitas vezes arquitectos reduzem o conceito de energia a um problema técnico: as emissões de CO2, energia verde, painéis solares, etc. Eu estava interessado em energia para além da retórica da sustentabilidade. Queria criar um cluster interdisciplinar, colaborar com artistas, cientistas e arquitectos, para criar protótipos para uma nova compreensão espacial do conceito de energia.
Participaram na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2010 e, em seguida, na Trienal de Milão. Como é que um think-tank passa a estar presente em eventos tão importantes?
SRP: O cluster de investigação foi um empreendimento enorme. Visitámos a CERN, em Genebra, participámos no Festival de Energia de Lecce e organizámos palestras e simpósios em Londres. Todos os participantes envolveram-se profundamente e eu queria oferecer-lhes uma plataforma para poderem expor as suas pesquisas num palco maior do que o da estrutura académica da AA. Decidi candidatar o projecto como evento colateral na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2010. Os trabalhos que desenvolvemos foram muito ambiciosos e imprevisíveis: eram protótipos entre obras-de-arte, modelos arquitectónicos e experiências científicas... Eram invenções brilhantes para entender a relação entre Energia e Espaço, com novos olhos. A exposição foi muito bem sucedida e fomos convidados para expor na Trienal de Milão, no ano seguinte.
Enquanto isso, B/E expandiu-se para diferentes regiões. O que motivou a redefinição do projecto? Como é estruturado?
SRP: Após a exposição na Trienal de Milão, eu queria separar Beyond Entropy da escola e transformá-lo numa agência espacial independente. De certa forma, foi uma progressão natural. Hoje, Beyond Entropy opera na Europa, no Mediterrâneo e em África: B/E Europa concentra-se na dissolução da distinção entre a cidade e o campo, numa paisagem entrópica e uniforme; B/E Mediterrâneo centra-se na ocupação bipolar da costa do Mediterrâneo, alternando constantemente entre a protecção e exploração turística, entre a restrição da vida urbana e a sobrelotação do turismo sazonal; B/E África concentra-se na morfologia da cidade africana, onde enormes conurbações urbanas são construídas e ocupadas, apesar da falta de infra-estrutura básica. Em cada território, propomos um novo modelo espacial na forma de um edifício ou infra-estrutura, exposição, publicação, etc...
PN: É importante realçar o aspecto geo-político dos projectos. Beyond Entropy gradualmente estabeleceu-se como uma rede internacional. Começámos a pesquisar Luanda como o paradigma das extraordinárias transformações urbanas a acontecer actualmente nas cidades sub-saarianas. Desde o ano passado, temos vindo a desenvolver esta pesquisa, apoiada por vários projectos de exposições...
...Incluindo a Bienal de Arquitectura em 2012. Como é que um projecto tão jovem ganha reconhecimento institucional tão rapidamente, tornando-se a primeira representação oficial da República de Angola em Veneza?
SRP: A Paula e eu conhecemo-nos em Veneza, em Setembro de 2010, durante um seminário organizado pela AA. Eu tinha acabado de completar a exposição “Beyond Entropy, when Energy becomes Form” na Fondazione Giorgio Cini. Durante uma conversa nos belos jardins da ilha de San Giorgio, decidimos organizar a primeira participação de Angola na Bienal de Veneza.
Sim, mas como conseguiram apoio oficial, financiamento, etc.?
PN: Eu diria que temos sido implacáveis, acima de tudo. O Stefano e eu discutimos potenciais projectos e rotas a perseguir, e daí surgiu um claro interesse em Luanda e nas suas características mutantes. A esse ponto, começámos a desenvolver um projecto para Angola e – por que não? – uma participação oficial. Foi muito importante enquadrar a proposta de tal forma que as autoridades angolanas – neste caso, o Ministério da Cultura – conseguissem entender por que seria importante para Angola ter um Pavilhão Nacional na Bienal.
Como convenceram o Ministério?
PN: Se Angola aparece nas notícias por causa do seu crescimento económico, por que não expandir a sua presença em eventos de tão alto calibre cultural, especialmente tendo em conta a força da sua produção contemporânea? Ao exportar cultura ao mais alto nível, estamos também a fazer um statement sobre uma jovem nação que não se trata apenas de petróleo e dinheiro, mas que tem algo mais para exportar.
Então, como conseguiram pôr isso em prática?
SRP: Após uma estimativa inicial da logística e do orçamento geral, reunimo-nos em Luanda, em Novembro de 2011 e, graças ao embaixador italiano Giuseppe Mistretta, tivemos uma reunião com a Ministra da Cultura de Angola...
PN: O Ministério considerou o projecto, mas demorou quase meio ano para nos dar permissão para participar como um Pavilhão Nacional. Foi um processo de negociação complexo – e, de facto, estamos gratos pela ajuda extraordinária da Embaixada Italiana, e da Embaixada de Angola em Roma. Por fim, recebemos uma carta a confirmar a primeira participação de sempre de Angola e Beyond Entropy como curadores.
Como procederam a seguir?
PN: Em paralelo a este longo processo, fizemos propostas de colaboração a universidades locais e, naquela altura, apenas uma – a Universidade Metodista de Angola – pareceu interessada na ideia que apresentámos. Ao mesmo tempo, começámos a angariação de fundos. Tivemos patrocínios privados de empresas angolanas e italianas, e também tivemos de investir algum do nosso dinheiro pessoal, para desenhar e construir a instalação.
O projecto apresentou uma abordagem de Luanda que é muitas vezes negligenciada na arquitectura e nos estudos urbanos. Reconheceu os problemas infra-estruturais da sua complexa malha urbana, mas também entendeu as suas qualidades. Podem descrever o modelo que propuseram e reflectir sobre o impacto que tal modelo poderia ter?
SRP: Desenvolvemos uma investigação inicial no Cazenga, com um grupo de estudantes da Universidade Metodista. Foi uma experiência maravilhosa, tentar entender como o espaço é lá vivido e habitado. Cada espaço realiza simultaneamente uma multiplicidade de funções: cada casa é simultaneamente escritório, armazém, garagem, espaço público... Propusemos preservar essa qualidade. Sugerimos uma proposta que actua simultaneamente como espaço público e infra-estrutura, usando uma planta chamada Arundo Donax, um arbusto cujas raízes filtram naturalmente águas sujas e cujo tronco contém filtros que são ideais para a produção de biomassa.
PN: A proposta é uma crítica à noção de requalificação tal como está a ser implementada em Luanda, uma cidade que é caótica mas ainda assim emblemática, em muitos níveis. Luanda está a mudar e a crescer muito rapidamente, e entre condições extremas: por um lado, uma cidade planeada de acordo com modelos chineses e norte-americanos e por outro lado, uma cidade informal, a crescer organicamente nos espaços intersticiais; e depois, também temos a cidade colonial, que está a ser lentamente apagada... A nossa proposta negoceia, de alguma forma, entre estas realidades.
Estás a levantar muitos tópicos interessantes. Estou interessado na metodologia que seguiram, pois eu sei que não é fácil trabalhar nas áreas “esquecidas” de Luanda. Podem falar um pouco mais sobre os workshops com os estudantes?
PN: Depois de algumas reuniões com a administração local e os directores da Universidade, começámos uma semana de workshop com estudantes do 4.º e 5.º ano, no Cazenga. Inicialmente, visitámos o bairro para compreender os seus contrastes e complexidades, e para fazer com que os estudantes se envolvessem numa realidade que muitas vezes é sub-representada ou “esquecida”, como disseste. Mais tarde, os estudantes escolheram quatro edifícios e examinaram-nos em detalhe, quase como uma investigação forense de cada espaço, olhando para os detalhes construtivos, os hábitos de vida, a passagem do tempo, desenhando tudo, entendendo a inteligência espacial que existe e que é muitas vezes ignorada. Além desta experiência ao vivo, conseguimos receber alguns dados por parte das autoridades locais, o que nos ajudou a moldar uma imagem do bairro. Quase simultaneamente a este trabalho de campo, fizemos pesquisas sobre as propriedades e o uso de Arundo Donax.
[Beyond Entropy Angola] www.vimeo.com/51669672
O conceito parece absolutamente adequado ao contexto. Como é que a exposição foi recebida em Angola e em outros lugares?
SRP: Houve um interesse extraordinário no projecto, tanto pelo mundo da arquitectura como pelo mundo da arte. Por exemplo, fomos convidados por Bice Curiger para escrever um artigo na Parkett e tivemos a oportunidade de ampliar a pesquisa com uma exposição no Porto [Luanda de Baixo P’ra Cima].
PN: Honestamente, não conseguimos muito escrutínio e visibilidade em Angola, para além de boa receptividade na Universidade. Internacionalmente, porém, a conversa já foi diferente. O facto de Angola estar a participar pela primeira vez na Bienal, num local tão especial – Isola di San Giorgio – chamou muita atenção. Eu acredito que as ideias por detrás do projecto e o facto de ter oferecido uma potencial solução para um problema real, criou uma agenda para discutir a cidade.
Estes são, de alguma forma, temas controversos no contexto de Angola, onde as estratégias actuais de regeneração urbana dão pouca atenção a uma cidade que já lá está, em favor de outra coisa. Quais foram as reacções mais comuns que receberam?
PN: As opiniões, por vezes, reduzem o projecto a uma pesquisa puramente académica, mas eu acho que essa perspectiva está errada. É óbvio que o objectivo da instalação era comunicar o conceito e fazer uma declaração ousada, mas acreditamos na implementação do projecto, o que exigiria ajustes e uma exploração mais profunda do local. Acho que é um projecto a ser revisitado. Vamos apresentar o projecto em Luanda, no final do ano, e estou muito curiosa para ver como a sociedade de Luanda irá reagir.
Vamos ficar no presente, por agora. Os leitores querem saber sobre o Leão de Ouro! É muito claro que Luanda Encyclopedic City surge como parte do vosso compromisso contínuo com Luanda, existe uma continuidade. Apesar de fazer parte de uma bienal de arte, há uma forte conotação arquitectónica – concerteza devido ao facto de ambos serem arquitectos e o Edson [Chagas] um fotógrafo que documenta a cidade. Mas a exposição também responde claramente ao tema geral da Bienal, que é também muito “arquitectónico” [Encyclopedic Palace / Palácio Enciclopédico]. As fotografias de Edson mostram uma Luanda silenciosa, o que parece quase um paradoxo. Achei as imagens muito poéticas, bonitas e significativas. Elas falam sobre paredes, texturas, imperfeição... Mostram um certo tipo de Luanda, que certamente não é o de uma cidade em rápido crescimento, cheia de paredes de vidro e materiais reluzentes...
PN: Concerteza!
E depois o vosso trabalho como curadores permitiu uma relação estreita entre os diferentes elementos, em várias escalas: as fotos em relação às salas e os seus quadros antigos; a exposição em relação à cidade, pois os visitantes podem levar os cartazes com eles...
[Biennale Arte 2013 - Angola] www.youtube.com/watch?v=dAIeouvtqGI
SRP: O trabalho de Edson incorpora o modus operandi enciclopédico, que é, simultaneamente, uma documentação, tanto quanto uma invenção poética. Ele não documenta simplesmente objectos encontrados. Pelo contrário, ele encontra os objectos, relocaliza-os pela cidade e, em seguida, documenta-os. Cada vez que um objecto é reposicionado, surge um novo tipo de relação com o contexto, que afecta o ambiente e que muda o próprio objecto. É o momento em que o trabalho dele se torna um acto criativo.
PN: O centro da cidade de Luanda, onde a maioria das fotos foram tiradas, é feito de arquitectura colonial, que está a ser deixada morrer, para dar espaço a edifícios especulativos. Há quase um sentimento de nostalgia, porque em breve, a maioria dos detalhes capturados nas imagens de Edson irão desaparecer...
Curiosamente, a maioria dos pintores presentes naquela sala eram pintores urbanos... O que poderia ser visto como um acto de transgressão, com a colocação de Luanda contemporânea contra a Veneza clássica, acabou por ser uma coexistência bem equilibrada.
Há também um outro aspecto que eu acho importante: a relação com a cidade. Não é apenas sobre o facto de que as pessoas levam os cartazes com elas, mas também o facto de que nós conseguimos activar outro ponto na geografia cultural de Veneza e da Bienal. O Pallazzo está sempre fechado, ninguém tem permissão para ver a colecção Cini. Está agora aberto apenas por causa desta exposição. Até certo ponto, Piero della Francesca e Botticelli devem estar gratos ao Edson, pois as suas fotografias permitiram-lhes serem vistos e revisitados.
[Luanda Encyclopedic City] www.vimeo.com/69163650
Por falar nisso, como é que começou a relação com a Fundação Cini?
SRP: Temos o privilégio de trabalhar com a Fondazione Giorgio Cini desde 2009. Esta colaboração tem sido fundamental para o desenvolvimento de Beyond Entropy. A Fondazione Cini é o epicentro de Beyond Entropy Europa, a sede da nossa pesquisa sobre a expansão e a paisagem entrópica do território europeu contemporâneo.
Há um outro aspecto que gostaria de abordar, a racionalidade da exposição. As alturas das pilhas de fotografias variam devido a razões estruturais. É uma decisão técnica, não tem nada de aleatório... Embora, admito, isso torne a exposição mais bonita. Este tipo de conjugação entre as decisões técnicas e poéticas fazem um projecto bem sucedido...
PN: Isso é exactamente o que a arquitectura – ou a manipulação espacial – deve tratar: usar a técnica para expressar a poesia em cada situação. Eu gosto de controlo, e a ordem espacial foi meticulosamente planeada, mas devo admitir que houve momentos de “sorte”, como, por exemplo, quando as cores das imagens do Edson corresponderam e complementaram as pinturas existentes...
SRP: O aspecto racional a que te referes está muito em linha com o lema de Beyond Entropy: “Nada mudar para que tudo seja diferente”. O Pavilhão de Angola activa um museu latente em Veneza por não mudar nada: nenhuma pintura foi removida das paredes, e não aconteceu nenhuma mudança radical na organização das salas. Enchemos o centro das salas – que estão sempre vazios – com vinte e três pilhas de cartazes. Todas as decisões foram quase pré-determinadas. Foi muito importante a colaboração com os Tankboys, os designers gráficos e directores artísticos do pavilhão, que desempenharam um papel activo na definição do formato da exposição.
Tivemos que trabalhar com um orçamento baixo, assim o catálogo teve que ser a exposição e a exposição teve que ser o catálogo. A disposição das pilhas de cartazes foi determinada pela distribuição da carga sobre as vigas. A carga estrutural dos cartazes definiu a altura de cada pilha e a sua posição no espaço, enquanto o número e a distância entre os cartazes foi determinado pelos regulamentos de incêndio.
A este respeito, a vossa exposição é fundamentalmente diferente da portuguesa, que me parece quase demasiado extravagante. Por exemplo, um barco não é um edifício, então porquê cobri-lo com azulejos? Estiveram na exposição de Portugal? E, por falar nisso, podem fazer algum comentário sobre a Bienal como um todo?
SRP: Confesso que ainda não vi a Bienal. Passámos o tempo todo no pavilhão...
PN: Honestamente Paulo, eu ainda não a vi! Ou melhor, vi de longe, no Giardini. O tempo em Veneza foi tão agitado, não houve a oportunidade de apreciar outros pavilhões, o que é uma pena. Reparei que o pavilhão português teve um grande programa de eventos. Mas talvez devido à situação política e económica que Portugal está a viver, eu sinto uma ligeira nostalgia quando vejo o “velho cacilheiro” e os azulejos, uma memória da grandeza que foi e que não irá voltar.
Para os olhos de um estranho, a participação de Angola em Veneza teve algumas situações pouco claras... Estou-me a referir à exposição Angola em Movimento, paralela à vossa. Podem falar sobre como conviveram com a outra exposição, e com a cobertura que recebeu na comunicação social angolana?
PN: Para entender isso, é preciso ir um pouco atrás... e mencionar a proposta que apresentámos na 13.ª Bienal de Arquitectura de Veneza. Como dissemos, foi muito bem sucedida internacionalmente e gerou um convite para a participação deste ano, na Bienal de Arte, e nós decidimos envolver o Ministério mais uma vez. Quando apresentámos a proposta à Ministra da Cultura, ela concordou em apoiar o nosso projecto, em metade do orçamento inicial, e em troca nós ajudaríamos a produzir uma mostra mais alargada das artes visuais angolanas. O Ministério decidiu levar uma amostra da colecção ENSA e organizaram uma exposição, com curadoria de Jorge Gumbe, intitulada Angola em Movimento, com artistas de diferentes gerações e estilos. Esta é uma exposição paralela, não a participação oficial da Bienal, e está instalada no segundo andar do Pallazzo Cini.
Talvez por esta ter sido a contribuição do Ministério, foi divulgada em Angola como a exposição principal, e foi dada muito pouca atenção à exposição oficial propriamente dita. Este também é um processo novo em Angola, e a ambiguidade na comunicação sobre o que estava a acontecer em Veneza gerou alguma confusão. Parece haver um entendimento de que o prémio foi concedido a tudo o que foi exibido no Pallazzo Cini, quando na verdade a declaração do júri é muito clara! Nós não estávamos em Luanda naquele momento e decidimos separar-nos de qualquer discussão acerca desta confusão. Entre a comunidade artística internacional há plena consciência sobre os diferentes estados das duas exposições.
Em relação às reacções ao prémio, uma importante revista alemã descartou a participação de Angola num artigo intitulado ”Angola! Wo ist Angola?”, como se o país não tivesse legitimidade para ter sucesso no mundo da arte. Entre outras insinuações, o artigo acusou pessoalmente o Stefano de fazer lobby no círculo de arte de Veneza. Querem comentar?
PN: Eu tenho que dizer que tudo isto foi muito triste, porque a crítica não foi dirigida às obras de arte do Edson ou até mesmo à abordagem curatorial. Era um artigo escrito por alguém que estava claramente frustrado porque a Alemanha ou outro país com maior tradição na Bienal não venceu e estava então a implicar que Angola (e, portanto, África) só poderia ganhar por causa de lobbying... É triste que a jornalista não se tenha envolvido numa conversa sobre a arte e o estado da arte africana.
SRP: Essa é a razão pela qual decidimos não responder publicamente a essa jornalista: não faz sentido discutir um assunto com base em insinuações e intrigas baratas. As respostas de outros curadores e do público em geral foram suficientemente claras para encerrar o debate em torno desse artigo medíocre e infeliz. À parte deste episódio, estamos sempre dispostos a participar em qualquer discussão e aceitamos críticas baseadas na abordagem curatorial e nos conteúdos artísticos da exposição.
Para vocês, qual é o estado das artes angolanas? E como pretendem continuar a contribuir para a cena cultural no futuro próximo?
PN: Existe uma grande quantidade de produção da parte de jovens artistas e, obviamente, de uma geração mais velha. No entanto, existem muito poucas estruturas profissionais adequadas que possam apoiar estes artistas. Precisamos de mais escolas, galerias e plataformas para apoiar o que está a ser produzido por artistas angolanos contemporâneos. A Trienal de Luanda é um evento importantíssimo e deu o ponto de partida, assim como vários estúdios independentes e projectos, tais como e-studio – Antonio Ole, Rita GT, Francisco Vidal e Nelo Teixeira – estão a tentar estabelecer plataformas alternativas para debate. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer...
SRP: Estamos a criar um programa ambicioso de residências artísticas na Sardenha, como parte de Beyond Entropy Mediterrâneo. A galeria ao ar livre de Mangiabarche e o Museu de Arte Contemporânea de Calasetta funcionarão como epicentro para o intercâmbio cultural e artístico entre artistas do Mediterrâneo e de África. Noutras palavras: o melhor ainda está para vir.
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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
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Paula Nascimento
(Luanda, 1981) Directora de Beyond Entropy África. Vive e trabalha em Luanda, Angola. Formou-se na Universidade de Southbank e na Architectural Association, em Londres. Trabalhou para Álvaro Siza e RDA Architects. Actualmente, é consultora da COBA (Consultores de Energia e Ambiente) e da Comissão Angolana para a Expo 2015. Com Stefano Rabolli Pansera, fez a curadoria da primeira participação nacional – o Pavilhão de Angola na 13.ª Exposição Internacional de Arquitectura – La Biennale di Venezia, e a primeira participação nacional – o Pavilhão de Angola na 55.ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia.
Stefano Rabolli Pansera
(Brescia, 1980) Director de Beyond Entropy. Depois de trabalhar com Herzog & de Meuron, entre 2005 e 2007, ensinou na Architectural Association, em 2007-2011. Ensinou nas universidades de Cagliari, Cambridge, Nápoles, Wuhan, Seul e Madrid. Em 2010, fundou Beyond Entropy Ltd, que opera na Europa, Mediterrâneo e África. Desde 2012, é director do Museu de Arte Contemporânea de Calasetta e da Galeria Mangiabarche, na Sardenha. Com Paula Nascimento, fez a curadoria da primeira participação nacional – o Pavilhão de Angola na 13.ª Exposição Internacional de Arquitectura – La Biennale di Venezia, e a primeira participação nacional – o Pavilhão Angola na 55.ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia. www.beyondentropy.com
Paulo Moreira
(Porto, 1980) Arquitecto (FAUP, Porto) e investigador (The Cass, Londres). Recebeu o Prémio Távora em 2012 (OASRN, Portugal). Faz parte do corpo editorial do Jornal Arquitectos (2012-2014). www.paulomoreira.net