|
|
WARWICK FREEMAN. HOOK HAND HEART STARCRISTINA FILIPE2025-10-05
Trinta anos após ter lido o extraordinário ensaio «Owner’s Manual», de Julie Ewington, sobre as joias de Warwick Freeman (Nelson, Nova Zelândia, 1953), tive a oportunidade de ser guiada, pelo próprio artista, na sua exposição retrospetiva, Hook Hand Heart Star, na Pinakothek der Moderne, em Munique, no passado dia 14 de março, véspera da inauguração.
Em 2025, mais de 35 anos depois, é este desenho, «Squaring Up the Circle», que Freeman usa como ideia para o design desta exposição na Pinakothek der Modern. O círculo exterior da estrutura do edifício envolve o quadrado das vitrines, no qual está inscrito o círculo interior da rotunda [imagens 2, 3, 4, 5]. As quatro vitrines altas com molduras coloridas representam os quatro conceitos que sustentam a joalharia contemporânea da Nova Zelândia: osso, pedra, concha e corpo. (Freeman, Holscher, Paton, 2025, p. 15) [3]
A participação no Circle, organizado pelo Goethe-Institut e pelo Queen Elizabeth II Art Council em Wellington, foi crucial para a carreira de Freeman, pois marcou uma mudança de rumo e a sua entrada consciente no mundo da joalharia contemporânea, dez anos após o início da sua atividade artística nesta área. No ensaio «It Will Become the Life of an Artist» incluído no catálogo da exposição (publicado pela arnoldsche Art Publishers), Petra Hölscher apresenta a estrutura, os resultados e o impacto desse workshop no percurso de Freeman. Hölscher afirma que o seu artigo «procura abordar a questão de por que razão, ainda hoje, os colegas da Nova Zelândia nunca se cansam de se referir ao workshop ministrado por Hermann Jünger em 1982.» [4] (Hölscher, 2025, p. 12). Por outro lado, informa que Jünger arquivou, como era sua prática, um vasto conjunto de fragmentos e materiais dos dois meses que passou na Austrália e na Aotearoa Nova Zelândia relacionados com o seu processo criativo e de ensino. Segundo a autora, esta descoberta ajuda-nos a compreender por que razão este período foi decisivo para Warwick Freeman enquanto artista (joalheiro). (Hölscher, 2025, pp. 12-13) [5] As peças foram instaladas ao longo do espaço circular e nas paredes, dentro de vitrinas. Nas peças dispostas horizontalmente destacavam-se os conjuntos organizados em linha, aos quais o artista chama «Sentences» (Frases), enquanto nas peças dispostas verticalmente era dada especial atenção a obras singulares, normalmente suspensas. Contra as paredes, estavam pousadas quatro vitrinas de grandes dimensões, semelhantes a quadros, com molduras de madeira e vidro, às quais o artista chamou Wall Work(s).
As instalações montadas na parede são uma característica da prática de Warwick Freeman. Os quatro exemplos aqui apresentados vão desde uma assamblage temática de joias em vermelho e preto [imagem 6], um grupo de quatro pendentes de grandes dimensões, até uma montagem abstrata de recortes de conchas [sobras de] outro conjunto de obras [imagem 7]. As placas em grelha de Dust [imagem 4] registam os resíduos da criação e os subprodutos dos materiais que se acumulam no estúdio — são pintadas com o pó colorido de quase todos os materiais com que Freeman trabalhou ao longo da sua carreira. (Freeman, Holscher, Paton, 2025, p. 58) [6]
Também na parede do espaço expositivo, uma lista de palavras [imagem 5] –– em grande formato, dispostas em coluna, como um poema –– que indicam o processo, a forma das joias e a estrutura expositiva. As peças, que se destacam pelo material utilizado e pelas formas puras e orgânicas e facilmente identificáveis, foram criadas a partir da linguagem sugerida pelo próprio material e da intervenção manual intuitiva do artista [imagem 8]. Na sua maioria, sugerem insígnias [imagem 9]. No ensaio «Owner’s Manual» [Manual do Proprietário], a autora afirma que estes emblemas ou símbolos são «pequenos milagres de compressão. Eles falam com força e economia sobre ideias e compromissos partilhados, mesmo (ou especialmente) aqueles que ainda não encontraram a sua voz» [7] (Ewington,1995). Escreve também sobre os portadores destes símbolos, mais precisamente sobre o significado que as joias de Freeman têm para os seus proprietários. Ambos são apresentados no texto e nas fotografias de Patrick Reynolds. Contudo, ao contrário do que é habitual, as joias surgem de forma reservada e discreta, tal como o próprio artista se mostrou durante a visita. Os seus portadores são muitas vezes vistos ao longe na paisagem, ou noutros contextos, e as joias constituem pequenos sinais no corpo de cada um, símbolos identitários. O encontro com Freeman na Pinakothek der Moderne, no âmbito da sua exposição, foi como revisitar virtualmente o «Owner’s Manual», guiada, agora, pela voz do artista, que anteriormente ecoava na escrita de Ewington. No livro, ao apresentar-nos a sua Black Rose, a autora escreveu: «Todas as flores devem morrer. Após uma breve temporada de esplendor, as pétalas escurecem, murcham e caem, cumprindo o grande ciclo predestinado. No meio da vida, estamos na morte. […] Black Rose [imagem 10] foi criada em 1990, o ano do 150.º aniversário do Tratado de Waitangi, celebrado entre os britânicos e o povo Maori da Nova Zelândia. Trata-se de um emblema de luto, mas também um símbolo de uma nova vida.» [8] (Ewington,1995). Já o avô de Freeman usava emblemas que a sua avó lhe deixou em testamento e o artista, em 1985, reuniu essa coleção num pequeno gabinete de madeira e vidro forrado a feltro vermelho, como relíquias a que designou My Grandfather’s Jewellery [imagem 11]. Esta peça integrou a exposição Share of Sky: Emblems 1985-90 no Dowse Art Museum e, nas notas da exposição, escreveu:
Tenho a certeza de que ele não consideraria estas peças como joias, mas, para mim, elas pertencem a uma tradição na joalharia muito forte — a de criar emblemas; emblemas que denotam pertença a um determinado grupo, posição dentro desse grupo e também a honra dos seus indivíduos. (Freeman apud Paton, 2025, p. 31) [9]
Hook Hand Heart Star, o título da exposição, refere-se a quatro dos símbolos recorrentes nas joias de Freeman e a imagem conjunta destes quatro símbolos surge plasmada no catálogo [imagem 12] e nas paredes da exposição. Não cabe aqui extrapolar interpretações das razões que levaram o artista a utilizá-los, mas, tal como a Black Rose, esses símbolos possuem significados específicos. Como o próprio artista afirmou durante a visita, «Algumas ideias são tão óbvias que não necessitam de qualquer explicação.» [10] É comum deixar o público encontrar o seu próprio significado (Paton, 2025, p. 44), refere Kim Paton no seu ensaio. O trabalho de Freeman analisa a construção da identidade, combinando temas pessoais e históricos. Utiliza materiais do quotidiano, elementos da colonização da Nova Zelândia e a geologia local como fonte de inspiração. Hook Hand Heart Star reúne instalações, conjuntos marcantes e séries de emblemas chamados «Sentences», mostrando uma prática artística em constante evolução. (Medieninformation, 2025) Em 1998, o historiador neozelandês David Skinner, o primeiro a escrever sobre a obra de Freeman, abordou sobretudo a sua origem, a sua cultura e os materiais locais (Skinner, 2004). A exposição comprova-o, conforme testemunha o respetivo texto de apresentação:
Ao longo de cinco décadas, o joalheiro neozelandês criou um léxico de símbolos: desde o simbolismo cultural do gancho [imagem 13] e da estrela até ao coração redesenhado na escória vulcânica da ilha de Rangitoto. Quando usadas, as suas joias comunicam algo sobre quem somos e como vivemos. Ao longo da sua carreira, Freeman nunca se cansou de explorar o que significa fazer joalharia em Aotearoa Nova Zelândia. (About the Exhibition, 2025) [11]
Relativamente à compreensão da obra de Freeman, é ainda pertinente referir a reflexão sobre a cultura e a história da Nova Zelândia no ensaio de Karl Chitham, «When Is a Hook a Hei Matau?», que integra o catálogo. A propósito da peça Pink Monkey Bird (2020, p. 102) [imagem 14], Chitham afirma:
Este broche é um exemplo da fascinante capacidade de o cérebro humano tentar encontrar significado no que é, na verdade, uma coleção sem sentido de formas. De certo modo, esta peça está relacionada com o problema identificado pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein e com as suas reflexões sobre a famosa ilusão do coelho-pato. Wittgenstein interessava-se pela correlação entre ver e interpretar, bem como pela forma como atribuímos individualmente significado a um objeto ou imagem. Ele chamou a isto ‘perceção de aspeto’ e sugeriu que, embora possamos atribuir a mesma perceção a uma coisa, cada um de nós também traz um ‘aspeto’ diferente à sua leitura. Independentemente da influência ou intenção de Freeman na obra, são os preconceitos pessoais e as experiências de vida do espectador que ditam se este vê uma manaia feita de rodonita de Otago (a região está associada a muitas pinturas rupestres Maori antigas com várias formas semelhantes a pássaros) ou um pássaro-macaco rosa ou algo completamente diferente. (Chitham, 2025, pp. 103-104) [12]
A exposição Hook Hand Heart Star não segue uma ordem cronológica e foi estruturada a partir de uma lista de vinte e quatro palavras que guiam o desenho expositivo, como já foi referido: «Old School», «Emblem», «Pakeha», «Flora», «Found», «Museum», «Bird», «Face», «Heart», «Pillow», «Star», «Ring», «Circle», «Appropriation», «Wall Work», «Hand», «Place», «Arm», «Hook», «Old Brain», «Beadwork», «Myth», «Pattern», e «Sentences» [imagem 5] Os grupos definidos pelas palavras em questão reúnem trabalhos de diversos períodos. Segundo o artista, a lista poderia incluir outras palavras, realçando a versatilidade e/ou a «ambiguidade intencional» [13] da obra (Chitham, 2025, p. 104). Os temas e as formas são recorrentes em épocas diferentes. Há repetições de símbolos nas «frases» que funcionam como um mantra [imagem 15]. O artista costuma criar, pelo menos, três variantes para cada símbolo, em épocas diferentes. Estes símbolos possuem referências afetivas, políticas, sociais e estéticas, e refletem a sua importância, tanto na tradição da sua cultura, como na forma como o artista lida com eles ao longo da sua trajetória artística. No seu texto «The Novelty of Our Own Situation», escreveu:
Recebo permissão para fazer joias daqueles que já fizeram joias antes de mim. Recebo permissão da sociedade em que trabalho; do mundo que me rodeia e influencia. E, algures nessa mistura, consigo até identificar uma permissão que pode estar relacionada com a minha própria voz — uma peça torna-se uma peça quando eu digo que sim. No entanto, é sempre o resultado de vozes acumuladas — algumas a dizer sim, podes, e outras a dizer não, não podes. Finalmente, ouves a tua própria voz, mas não sem teres ouvido as outras (consciente ou inconscientemente). (Freeman, 1999, p. 70) [14]
Durante a visita guiada e no ensaio «The Workshop: A Memoir» no catálogo (Freeman, 2025, p. 83) [15], o artista salientou o aspeto interdisciplinar do seu trabalho, referindo que os elementos que compõem as instalações Wall Work poderiam ser considerados joias se utilizados no corpo, ou pinturas, com a disposição atual. Na arte contemporânea, as categorias tradicionais são frequentemente transgredidas, promovendo reflexões e questionamentos, sem seguir necessariamente os protocolos derivados da etimologia dos termos que as classificam. No ensaio «The Language of Warwick Freeman», já referido supra, Kim Paton afirma que «a amplitude de interesses e curiosidade por disciplinas criativas –– artesanato, artes plásticas, arquitetura –– são evidentes nas suas joias. Freeman atribui igual importância ao fazer, ao ato de usar e ao peso teórico do seu trabalho, o que é particularmente evidente nas suas frases e instalações murais.» (Paton, 2025, p. 45). [16] A retrospetiva de Freeman amplia a compreensão da sua obra, evitando interpretações restritas ao material, à forma ou à disciplina. Os atos de transformação do artista são abordados na exposição e refletidos no seu ensaio, onde refere:
Uma ação fundamental como fazer um furo (como nos painéis em Dust) [imagem 16] é uma das primeiras competências técnicas que desenvolvemos. Essa ação simples, ao criar um ponto de suspensão, pode transformar qualquer material numa peça de joalharia. Esta técnica é provavelmente a razão pela qual a joalharia é tão proeminente na nossa cultura material primitiva. (Freeman, 2025, p. 84) [17]
A exposição não só destaca o modus operandi do artista e o contexto onde realiza as suas obras [imagem 17] [18], como também os artistas que ecoam na sua bancada –– Hermann Junger, Otto Künzli (Suíça, 1948), Onno Boekhoudt (Países Baixos, 1949-2002), Dorothea Prühl (Alemanha, 1937), Kobi Bosshard (Nova Zelândia, 1939), Alain Preston (Nova Zelândia, 1941) são algumas das vozes que escuta(mos) (Freeman, 2025, p. 87). O respetivo catálogo — com excelentes ensaios, fotografias e design gráfico — constitui uma ferramenta de estudo muito valiosa. Tal como a exposição, é irrepreensível.
[Agradecimentos: Warwick Freeman; Dr. Petra Holsher e Michaela Klaube, Die Neue Sammlung – The Design Museum, Munique;
Notas [1] «Está a abrir este livro, está a virar estas páginas. Já está na posse dele. Segure o livro nas mãos, explorando o luxo das páginas impressas — suaves, frescas, perfumadas com o aroma ligeiramente metálico da tinta de impressão. O papel desliza para a frente e para trás sobre a encadernação. Cada página abre um novo mundo, cada fotografia apresenta novas personagens. Isto é um prazer. E é seu.» [Tradução efetuada com a versão gratuita do tradutor DeepL.com.]
Referências bibliográficas About the Exhibition, Warwick Freeman. Hook Hand Head Star in www.pinakothek-der-moderne.de, consultado em 31 de agosto de 2025. Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung –– The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda. Ewington, J. (1995), «Owner’s Manual» in Freeman, Reynolds, Ewington, Owner’s Manual. Jewellery by Warwick Freeman, Nova Zelândia. Freeman, W. (1999), «The Novelty of Our Own Situation» in Given. Jewellery by Warwick Freeman, Starform, Auckland, 2004, pp. 67-75. Freeman, W.; Skinner, D. (2004), Given. Jewellery by Warwick Freeman, Starform, Auckland. Freeman, W. (2025), «The Workshop: A Memoir» in Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung –– The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda, pp. 70-69. Freeman, W.; Holscher, P.; Paton, K. (2025), «Squaring Up the Circle –– Warwick Freeman’s exhibition architecture» in Warwick Freeman Hook Hand Heart Star [folheto da exposição], p. 15. Hartnett, S. (2025), A Workshop Portrait in Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung –– The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda, pp. 290-297. Hölscher, P. (2025), «It Will Become the Life of an Artist» in Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung — The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda, pp. 10-25. Lloyd, B. (2025), «Freeman Days» in Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung –– The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda, pp. 275-289. Medieninformation, Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Pinakothek der Moderne, Munique, 2025. Paton, K. (2025), «The Language of Warwick Freeman» in Chapple, G., Chitham, K., Freeman, W., Hölscher, P., Lloyd, B., Nollert, A., Paton, K. (2025), Warwick Freeman. Hook Hand Heart Star, Die Neue Sammlung — The Design Museum, Munique, Objectspace, Auckland, Aotearoa, arnoldsche Art Publishers, Estugarda, pp. 26-69. Skinner, D. (2004), «Weka» in Given. Jewellery by Warwick Freeman, Starform, Auckland, 2004, p. 2.
[*] Legendas completas
1. Warwick Freeman, colagem de 1988, na publicação Bone Stone Shell: New Jewellery New Zealand, editada por Geri Thomas, para a exposição com o mesmo título na Crafts Council Gallery, Wellington 2. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star, 2025 3. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star, 2025 4. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star, 2025 5. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star, 2025 6. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star, 2025 7. FACE: White Ghost, Green Ghost, Orange Ghost, 2003 8. WALL WORK: Red Shell, 2014 9. EMBLEM: Insignia, 1997 10. PAKEHA: Black Rose, 1990 11. My Grandfather’s Jewellery, 1985 12. Warwick Freeman, Hook Hand Heart Star 13. Arrow Hook, 2008 14. Pink Monkey Bird, 2020 15. Sentence, 2024 16. Dust (detalhe), 2011 17. Warwick Freeman’s Ngataringa Bay workshop, 1978-2019 18. Warwick Freeman’s Ngataringa Bay workshop, 1978-2019 |

































