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OPINIÃO


Louise Lawler, Nude, 2002/2003. Cibachrome (museum box), 60 x 40 x 2 in.


Louise Lawler, Big, 2002/2003, cibachrome (museum box), 52 3/4 x 46 1/2 in.


Louise Lawler, Arranged by Carl Lobell at Weil, Gosthal & Manges, 1982. Fotografia a preto e branco, 13 1/2 x 17 1/2 in.


Louise Lawler, Pollock and Tureen, Arranged by Mr. and Mrs. Burton Tremaine, Connecticut, 1984. Cibachrome, 28 x 39 in.


Louise Lawler, Statue before Painting, Perseus with the Head of Medusa by Canova, 1983. Fotografia a preto e branco, 6 x 6 1/8 in.


Louise Lawler, Birdcalls (Patriarchal Roll Call), 1972/1981. Instalação sonora, dimensões variáveis.


Louise Lawler, How Many Pictures, 1989. Cibachrome, 48 1/16 x 61 7/8 in.


Louise Lawler, Something About Time and Space But I’m Not Sure What It is (One) Natural, 1998. Cibachrome (museum box), 24 x 29 1/2 in.


Louise Lawler, Something About Time and Space But I’m Not Sure What It Is, 1998. 12 cibachrome (museum box), 6 prints 18 3/4 x 23 1/2 in. + 6 prints 24 x 29 1/2 in.


Louise Lawler, Something About Time and Space But I’m Not Sure What It is, 2000. Vista da instalação na exposição More Pictures, Metro Pictures, Nova Iorque.


Louise Lawler, Foreground, 1994. Fotografia a preto e branco, 3 5/8 x 2 3/4 in.


Louise Lawler, Blume, 2003/2004. Cibachrome (museum box), 45 1/4 x 50 3/4 in.


Louise Lawler, Matchbooks, caixas de fósforos produzidas para a exposição An Arrangement of Pictures na Metro Pictures, 1982.


Louise Lawler, Twice Untitled, 2004/2005. Cibachrome (museum box), 34 3/16 x 29 3/4 in.

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LOUISE LAWLER. QUALQUER COISA ACERCA DO MUNDO DA ARTE, MAS NÃO RECORDO EXACTAMENTE O QUÊ.



JOSÉ CARLOS DUARTE

2011-12-07




Louise Lawler (Bronxville, Nova Iorque, EUA, 1947) pertence a um grupo de fotógrafos nascidos na década de 1950, que formou a última geração a envolver-se com a prática fotográfica antes de se ter tornado parte integrante do mundo da arte contemporânea. Apesar de a partir dessa geração muitos artistas tenham passado a usar a fotografia como meio de expressão (preferindo ser designados como “artistas que usam a fotografia”), este grupo – que inclui Nan Goldin, Andreas Gursky, Rineke Djikstra, Thomas Struth e Philip-Lorca DiCorcia – comprometeu-se com a fotografia, não como uma estratégia artística, mas como expressão de uma consciência visual do nosso mundo [1].

Desde o início dos anos 80 que Louise Lawler se dedica à investigação – por vezes difícil de catalogar – das consequências dos palcos e dos bastidores da arte, questionando os dispositivos institucionais da sua veiculação e exibição que contaminam ou transformam a arte e o seu significado. O início da sua carreira coincide com o momento em que o mercado da arte foi atingido pelos mesmos valores especulativos que as principais bolsas mundiais, adicionando valor cultural e económico imediato aos seus proprietários [2].

Na sua primeira exposição oficial, uma colectiva no Artists Space em 1978, não apresentou qualquer peça sua. Pediu que lhe fosse cedida uma pequena pintura de 1883 de um cavalo de corrida e montou-a numa parede na galeria, sobre parte de um envidraçado. Colocou depois dois projectores de luz: um por cima da pintura, apontado em direcção ao espectador e impedindo a sua correcta visualização, e outro em direcção à janela, projectando essa forma no prédio em frente, sugerindo a quem passa na rua que algo notável poderia estar a acontecer no andar da galeria. Para além de sublinhar um acto de apropriação, a sua intenção era apresentar uma peça num contexto diferente, com um significado diferente. Uma pintura antiga seria algo estranho para ser exibido num espaço como o Artists Space, normalmente habituado a receber arte pós-moderna.

Quatro anos mais tarde, na primeira exposição individual (na Metro Pictures), reuniu um pequeno grupo de obras do acervo da galeria e exibiu-as sob um único título: Arranged by Louise Lawler. As peças deveriam ser vendidas em conjunto, como uma única obra cujo preço seria a soma das suas partes, acrescido de uma comissão de 10% para Lawler. Acabou por não ser vendida. Desde então, o seu trabalho – maioritariamente fotográfico – entrelaça uma variedade de papéis do meio artístico, passando pelo de artista, curadora, editora de fotografia, art dealer, designer gráfica, crítica e editora. Mas as suas fotografias enquadram também algumas ambiguidades como a relação da arte com a economia, o desejo, a transitoriedade, o prestígio, o género sexual e o poder.

O ponto de partida do seu trabalho poderia formular-se numa questão: o que acontece quando a obra de arte sai do estúdio da artista? Ao contrário de um fotógrafo que regista obras de arte para leilões ou museus, Lawler comporta-se como um detective, infiltrando-se pelos armazéns de museus e instituições, pelo branco imaculado das paredes de galerias contemporâneas, pelos bastidores das casas de leilões de arte, salas de reuniões empresariais ou mesmo pela intimidade de casas particulares. Lawler interessa-se maioritariamente pelo contexto específico da exibição de uma obra artística e não pelo objecto em si. Ao revelar os mecanismos, normalmente ocultos, inerentes à posse, circulação e exibição de arte, o seu trabalho parece conformar-se à categoria de crítica institucional que marcou parte do século XX, impulsionada pelos readymades de Duchamp. No entanto, a maneira como trabalha o tema e o exibe nos seus “arranjos fotográficos”, foge a tendências fáceis e a juízos de valor óbvios. Nas suas imagens, o espaço deixado entre os elementos fotografados, muitas vezes cortados pelo enquadramento, é por vezes proporcional à importância do que é deixado de fora, para interpretação pessoal do espectador. Outras vezes, a evidência de um Warhol pendurado numa parede vermelha, um Richter tombado no chão na posição lateral ou um Mondrian atrás de um cadeirão, provoca uma sensação semelhante à de abrir uma revista com detalhes sórdidos da vida íntima das estrelas de cinema.

Quando em 1984 teve acesso à colecção de arte das casas privadas do casal norte-americano Burton Tremaine, ao percorrer uma das casas em busca de imagens, Lawler poderá ter encontrado o cerne de todo o seu trabalho. Por entre as inúmeras obras de arte, dispostas segundo o critério do casal, uma antiga terrina de sopa e um torturado Jackson Pollock travam um improvável diálogo. Esse célebre registo mistura, na mesma imagem, uma crítica incisiva e uma paixão (por parte do casal) pelo lado estético na disposição dos dois objectos. Anos mais tarde, ironicamente, a colecção do casal seria quase totalmente desmembrada em leilão na Christie’s. Desde essa altura, o seu processo normal de trabalho – que não inclui fotografar muito – passa pela visita constante aos seus arquivos de imagens, em busca de novas potencialidades, novas relações, novos reenquadramentos a partir de trabalhos anteriores. Nem sempre – afirma – sabe o que está a fazer e muitos dos seus trabalhos não existiriam se não fosse colocada numa posição de compromisso para realizar uma exposição.

Sem pretensões de se tornar num expoente da arte feminista, Lawler não resiste, por vezes, ao comentário sobre a predominância masculina na história da arte. Numa imagem a preto e branco, tirada no Metropolitan Museum of Art, uma estátua de Perseu com a cabeça de Medusa é cortada exactamente pelo nível do pénis. Em Patriarchal Roll Call (1972/1981), recorrendo a um registo sonoro de si mesma, imita cânticos de pássaros em tom satírico, entoando nomes de artistas célebres do sexo masculino, tais como Andy Warhol, John Baldessari, Donald Judd, Vito Acconci ou Sol Lewitt.

Lawler apresentou publicamente Birdcalls pela primeira vez em 1981, quando, como previsto por Douglas Crimp, a Documenta 7 (1982) seria epicentro de discussões críticas acerca do mundo da arte, tocando o género de questões que Lawler pretende alcançar em Birdcalls. A publicação Art After Modernism: Rethinking Representation (New Museum of Contemporary Art, New York; David R. Godine, Boston, 1984), reúne um conjunto de textos que revelam uma unidade entre críticos e teóricos como Douglas Crimp, Hal Foster, Martha Rosler, Rosalind Krauss, Benjamin Buchloh, entre outros, na “luta” contra o modernismo e impulsiona o crescente pensamento pós-moderno à luz dos desenvolvimentos da arte contemporânea no campo do cinema, vídeo, fotografia e novas formas de comunicação. Colaborando com Brian Wallis, Lawler foi responsável pela selecção e disposição das imagens para essa publicação.

Um dos críticos nesse catálogo, Douglas Crimp, veio mais tarde a ser responsável por uma das poucas entrevistas a Lawler, no catálogo An Arrangement of Pictures (Assouline, Nova Iorque, 2000). Numa conversa, por vezes detalhada sem ser intrusiva, Crimp traz à luz do dia algumas das ideias que Lawler mantivera até então na obscuridade. Interrupção, esforço, memória, transacção, dor e distância – todos intervêm entre o observador e o objecto observado. Estes factores imateriais, afectam o que é material, conferindo-lhe valores e significados associados ao que é considerado arte. Um exemplo: em How Many Pictures (1989), um trabalho de Frank Stella é refletido no brilho de um piso de madeira. Onde está e qual é o verdadeiro Stella? Onde está a arte? E a imagem? Fora do enquadramento? No reflexo? Na fotografia do reflexo? Na memória? Na materialidade do trabalho de Stella, ou noutro lugar? [3]

Douglas Crimp já antes havia colaborado com Lawler num dos seus livros de ensaios, usando imagens da artista para suportar os vários ensaios. O livro, On the Museum’s Ruins (The MIT Press, 1993), reúne críticas à arte contemporânea, às suas instituições e às suas políticas, ao lado de imagens de Lawler, criando um projeto de colaboração que é por si só um provocante exemplo de prática pós-moderna. Nesses ensaios, Crimp elabora um novo paradigma do pós-modernismo através da análise de práticas artísticas, não só de artistas – como Robert Rauschenberg, Cindy Sherman, Marcel Broodthaers, Richard Serra, Sherrie Levine e Robert Mapplethorpe – mas também de críticos e curadores de exposições internacionais e de museus (novos ou remodelados). São analisados argumentos desses vários escritores, artistas e pensadores para melhor entender como as suas ideias contribuíram, ou contribuem, para a visão de museu e para os efeitos da arte no museu. Para Crimp, o museu está intrinsecamente ligado à fotografia e apoia-se no texto de André Malraux, Museum without Walls, para defender a ideia de que a fotografia se tornou no elemento homogeneizador das complexidades e diversidades do museu, colocando-o no seu devido lugar para no final o deixar morrer. Apesar desse efeito de homogeneizador, a fotografia torna-se parte da destruição e ruína do museu.

Em 1998, na instalação Something About Time and Space But I’m Not Sure What It Is, Louise Lawler põe à prova a capacidade de abrir um novo caminho sem cair na repetição de fórmulas anteriores mas no entanto assente nos mesmos elementos de até então. O artista central deste trabalho é Andy Warhol – o que mais prolifera em todo o seu trabalho. As almofadas insufláveis de Andy Warhol (Silver Clouds, galeria Leo Castelli, Nova Iorque, 1966) são o elemento central da instalação de Lawler, formada por imagens que flutuam no espaço, tingidas de cores brilhantes e psicadélicas, numa aparente alusão ao espaço de produção de Warhol. Desta vez, as imagens surgem desprovidas de elementos textuais ou expositivos típicos dos registos até então, e passam a sublinhar o que está fora de enquadramento: o espaço da galeria, onde as imagens se encontram suspensas, é agora, ele próprio, o contexto. Tudo parece circular à volta de um centro que não existe, vazio, à semelhança das almofadas flutuantes de Warhol.

Relativamente a este trabalho, Margaret Sundell disse: “(...) este trabalho de Lawler duplica-se a si mesmo, exibindo duas vezes a mesma informação. Como imagens, as fotografias retratam os balões prateados de Warhol. Como objetos, replicam-nos. Em qualquer dos casos, persistem como evocações a um original ausente. Ou não?” [4]. As imagens que constituem esta peça são fotografias de um reinstalação de 1998, cópia de uma cópia de uma obra produzida em massa, ou seja, nunca destinada a ser um original. A característica reflectora dos balões de Warhol, que transforma o objecto físico numa superfície de simulacro da sua envolvente, é inúmeras vezes usada por Lawler noutros trabalhos, nomeadamente em peças de Jeff Koons, como objectos que oscilam entre escultura e fotografia, usado pela própria artista como reforço visual do seu próprio processo.

O recurso a objectos escultóricos com características de produção em massa (copos, caixas de fósforos, guardanapos de papel, pisa-papéis), pontualmente usados em diferentes abordagens, sempre complementar às imagens nas exposições de Lawler. Esses objectos são por vezes interpretados com pequenas piadas sarcásticas sobre consumo, materialismo e o mundo da arte e acabam por veicular o seu trabalho sob como se de pequenos brindes publicitários se tratasse. Com Something About Time and Space But I’m Not Sure What It Is, Lawler assume uma maior importância na dimensão escultórica do seu trabalho e confere-lhe um novo significado.

Grande parte das imagens de Lawler, ganham significado no texto que lhes é associado, quer pelo título na legenda, quer por elementos textuais no próprio enquadramento – como etiquetas ou texto explícito. Imagem e texto associam-se num jogo visual que se aproxima ao acto de ler, transformando o acto fotográfico num intermediário de uma linguagem; ou contaminam-se mutuamente, por exemplo, ao associar títulos diferentes a imagens iguais, forçando novas leituras com interpretações distintas.

Ao longo da sua obra, Lawler tem vindo a desmascarar a gramática das imagens. Apesar de muitos terem aberto esse caminho de forma mais evidente e marcante, como Richard Prince e Sherrie Levine (por reapropriação ou recontextualização nestes casos), Lawler fá-lo com um low profile surpreendente e com um resultado pungente – um termo a que recorre insistentemente para descrever o seu trabalho. No entanto, o seu trabalho parece não ter mudado ao longo de todos estes anos, mantendo-se fiel aos seus constantes exercícios críticos de observação do mundo da arte. A arte sobre a própria arte é muitas vezes considerada irrelevante e associada a conotações negativas. O trabalho de Lawler, que parece fruir de seu próprio ponto de vista, resiste a essas conotações e espelha um profunda e genuína curiosidade. As suas anotações críticas são normalmente gentis, espirituosas e bem humoradas.

Individualmente, as suas imagens resultam esteticamente por si só. Mas ao sujeitarem-se à atenção de observadores, mais ou menos informados sobre os seus conteúdos, acabam por proporcionar prazeres fetichistas e abrir as cortinas da “vida privada” das obras de arte e dos seus bastidores. Ao revestirem-se de um registo documental acessível, podem provocar uma reacção surpresa a qualquer momento. Quanto mais o espectador conhece acerca dos elementos nas fotografias, mais vulnerável fica a um inevitável envolvimento. A partir desse momento, a observação do seu trabalho passa a ser feita com uma mistura de desconfiança, curiosidade, desconforto, incredulidade, surpresa ou mesmo desprezo.


José Carlos Duarte



NOTAS

[1] Press Release da sua galeria, 2008.

[2] Se nos anos 70 e 80 alguns artistas, como Marcel Broodthaers, Hans Haacke, Daniel Buren, e Michael Asher, haviam já chamado a atenção para a presença de poder económico e político no espaço aparentemente puro e neutro do museu, foram artistas como Victor Burgin, Andrea Fraser, Barbara Kruger, Sherrie Levine, Fred Wilson e Mary Kelly, entre outros, que ajudaram a sustentar essa teoria e estenderam essa crítica.

[3] Bruce Hainley, “Louise Lawler, An Arrangement of Pictures”, in Frieze, Janeiro de 2001.

[4] Margaret Sundell, “Louise Lawler, Metro Pictures”, Artforum, Abril de 2000. Texto original: “(...), Lawler’s work doubles back on itself, delivering the same information twice. As images, her photographs depict Warhol’s silver balloons. As objects, they replicate them. Either way, they remain evocations of an absent original. Or do they?”