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AINDA OS PREÇOS DE ENTRADA EM MUSEUS E MONUMENTOS DE SINTRA E BELÉM-AJUDA: OS DADOS E UMA PROPOSTA PARA O FUTUROLUÍS RAPOSO2016-04-12Um dos pontos altos da audição parlamentar realizada a António Lamas na AR, em 30 de Março último, foi quando lhe pediram os deputados Jorge Campos, do BE, e Ana Mesquita, do PCP, que confirmasse os valores de 249 ou 49 euros que uma família de dois adultos e duas crianças teria de desembolsar para visitar respectivamente o conjunto dos monumentos e palácios sob gestão da empresa Parques de Sintra – Monte da Lua (PSML), no primeiro caso, ou somente o Palácio da Pena, no segundo. Embaraçado, o ilustre auditado começou por balbuciar uma negação tímida, para depois contra-argumentar que também em Belém se acabaria por pagar valores semelhantes. Condescendeu ainda assim em reconhecer que faz falta um estudo comparativo sobre bilhética e até se propôs vir a fazê-lo, em artigo que haveria de escrever. É obviamente de saudar o reconhecimento desta carência, de se facto existe. E ficamos a aguardar o dito artigo, esperando que ele possua base sólidas, seja na amplitude da amostragem, seja na utilização dos necessários factores correctivos, como desde logo será o de na comparação entre os preços praticados em Portugal e noutros países da União Europeia, usar valores corrigidos pela paridade do poder de compra. Sim, porque como escrevemos recentemente (Sucesso e insucesso na gestão de museus e monumentos nacionais, Público, 23 de Março de 2016) os mesmos 14 euros que custam o bilhete de entrada no Palácio Nacional da Pena, por exemplo, representam efectivamente para portugueses um esforço equivalente a 17,2 euros, enquanto para noruegueses representarão 7 euros (e, inversamente, para romenos, representarão cerca de 25 euros). Se se pretende tratar os monumentos e museus como instrumentos de formação de cidadania, e o seus visitantes, mormente os nacionais, como cidadãos e não meros consumidores, então é forçoso raciocinar em termos tais que seja perceptível o esforço financeiro que efectivamente fazem para os frequentar, atentas os seus respectivos níveis de vida (e isto mesmo sem descer ao nível das diferenças na distribuição da riqueza, que em todo o casos se exigiria em estudo académico sério sobre o assunto). Ficamos, pois, a aguardar. No entretanto e para ajudar, avançamos desde já com alguns dados que permitam corrigir os lapsos cometidos durante a audição parlamentar, quando certamente por mera atrapalhação se equipararam aos de Sintra os preços actualmente praticados em Belém-Ajuda, E, do mesmo passo, aproveitamos para avançar com proposta que pode talvez resolver o problema (se de problema se trata) muito enfatizado por António Lamas quanto à circunstância de qualquer baixa de preços ir sobretudo favorecer os estrangeiros, que predominam em ambas as a áreas, embora esmagadoramente em Sintra e apenas maioritariamente em Belém. Convém aliás dizer de passagem que esta circunstância, sobretudo em relação a Sintra, não constitui um sucesso do ponto de vista em que nos colocamos, mas antes o reconhecimento de um tremendo insucesso de gestão. Nem de outro modo se pode qualificar a informação de que o Palácio da Pena é visitado por mais de 90% estrangeiros – porque tal comporta a confissão que dele foram na prática expulsos os nacionais. Mas enfim, pontos de vista à parte, convém perguntar objectivamente quanto paga afinal uma família composta por dois adultos e duas crianças muito novinhas (seis e nove anos, por exemplo, que em Sintra já pagam quase como adultos, enquanto em Belém estão isentas até aos 12 anos e depois só pagam metade do preço) para visitar os museus, monumentos e palácios em Sintra e Belém-Ajuda? O quadro em anexo dá a resposta. Face a tais números quase se dispensa comentário! Em termos simples e tendo presente que quase 80% das famílias portuguesas declaram em sede de IRS possuir rendimentos mensais inferiores a 1000 euros, pode dizer-se que para visitar os monumentos e palácios de Sintra necessitariam despender cerca de 20% desse rendimento! Em Belém o esforço financeiro equivalente seria significativamente inferior a 5%. E, para que não sejamos acusados de demagogia ou populismo, nem sequer consideramos aqui as famílias ou cidadãos com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional (trabalhadores no activo ou pensionistas) – o que seria muito mais chocante ainda e obviamente deve também merecer toda a atenção. Existe, portanto, um real e inquestionável problema de “bilhética”, se assim quisermos chamar, ou de limitação de acesso dos cidadãos portugueses aos seus monumentos e museus, em locais como os que são geridos pela PSML. Problema ao qual acresce a total ausência de gratuitidades universais, mesmo que somente uma vez por mês. Neste particular regista-se aliás que António Lamas clarificou que a isenção ali praticada para os munícipes de Sintra se justifica por prática muito antiga, mas se esqueceu de esclarecer qual o fundamento legal de, em empresa de capitais públicos gestora de monumentos nacionais, não serem praticadas as isenções estabelecidas pelo Governo para este tipo de bens patrimoniais. Esta omissão é tanto mais estranha quanto o mesmo gestor enfaticamente sublinhou que em Sintra não existe privatização do património, nem a mesma era proposta para Belém-Ajuda, porque as sociedades criadas ou previstas seriam de capitais exclusivamente públicos – confundindo que o sentido de privatização neste caso não se prende tanto com a propriedade do capital, mas com adopção de práticas e o uso privado das receitas geradas. Confusa igualmente, ou até capciosa, foi a indicação de que a privatização das receitas geradas em Belém-Ajuda não iria afinal prejudicar a tutela do património cultural, a DGPC, porque no cômputo geral os museus e monumentos daquela zona são deficitários, tendo de receber dinheiro do Orçamento do Estado – situação que deixaria de existir. Independentemente de não ser líquido que assim seja, a verdade é que a alienação das fontes de receita de Belém-Ajuda, retiraria à DGPC cerca de 2/3 das suas receitas próprias, com muito nefastas consequências na possibilidade de manter regimes de autonomia financeira que são decisivos para a sua ainda assim limitada capacidade operacional (aspecto que António Lamas conhece bem do CCB). Por ouro lado, sejamos francos e honestos: Se amanhã a tutela do património cultural tivesse simplesmente como objectivo fazer do parque museológico e monumental de Belém-Ajuda uma galinha dos ovos de ouro altamente superavitária, argumentando por exemplo que assim poderia melhor conservar e promover os conjunto patrimonial, bom, bastaria seguir o exemplo de Sintra em matéria de preços de bilhetes. Mas para isso nem seria preciso nenhum gestor qualificado, nenhum novo modelo societário. Terminamos com um dos pontos evocados por António Lamas na AR e já acima aludido, ou seja, o de que a esmagadora maioria dos visitantes em Sintra são estrangeiros, os quais se depreende devem ser esmifrados até ao tutano, não sendo possível ao abrigo da legislação comunitária isentar ou reduzir preços apenas para portugueses. Independentemente de podermos discutir a bondade de tratar os estrangeiros como porcos mealheiros (até porque há estrangeiros e estrangeiros, mesmo no espaço da EU, como já foi dito), os impedimentos legais indicados só ocorrerão de facto se não houver imaginação e vontade para que seja de outro modo. Existe aliás uma excelente oportunidade ao nosso alcance, no imediato: o chamado “Cartão + Cultura” previsto no programa do actual Governo. Este cartão aparece concebido como algo “a ser atribuído pelas entidades patronais aos seus trabalhadores para acesso a espetáculos de artes performativas e à aquisição de livros e outros produtos culturais, sendo o valor assim investido considerado mecenato para efeitos fiscais.” Pois bem, poderia o escopo do mesmo ser ampliado a museus e monumentos nacionais e serem alargados os critérios da sua atribuição, seja em matéria de base de incidência (que poderia ser calculada a partir dos rendimentos declarados em sede de IRS), seja em termos de entidades atribuidoras (que poderiam também os museus ou monumentos, na primeira visita que lhes fosse feita, as autarquias locais ou até as repartições de finanças). Existe, pois, um amplo caminho à nossa frente em matéria de promoção da cidadania na visita a museus e monumentos nacionais. Falta apenas vontade em percorrê-lo. Vontade sobretudo política, porque depois os técnicos, mormente os gestores, se lhe acomodam bem, sendo capazes da inventiva que os caracteriza.
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