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PARA UMA CRÍTICA DA INTERRUPÇÃOFILIPE PINTO2010-03-081. É comum encararmos os interruptores como dispositivos que ligam e desligam algo; utilizamo-los como se fossem uma ignição, um ignício, que desencadeia um novo estado de coisas, uma nova situação. A anteceder o ligar de um interruptor numa sala escura, há sempre um breve frémito – contemos a respiração para suster o susto e o grito. Um interruptor é sempre sinónimo de expectativa, que poderá ser ou não gorada, será por isso mesmo indício de esperança e elemento de thriller. Mas o que na verdade se passa é que, tal como o próprio nome indica, o interruptor interrompe; interrompe e retoma, retira e restitui. Os interruptores trabalham sobre correntes, fluxos contínuos e aparentemente imparáveis, interrompendo-os num clique. A sabedoria e a utilidade do interruptor estão na reversibilidade da sua acção natural, que é interromper. Quer dizer, o interruptor interrompe mas não corrompe – a coisa interrompida mantém as suas propriedades intactas, inclusive o seu fluxo, que permanece como que hibernado, em potência e tensão, como um elástico esticado, para uma resposta instantânea e cabal. Um interruptor comum é espasmódico, imediato, tem mola e produz um som seco e assertivo, um trinco, que quer significar a ausência de gradiente. Um interruptor é, por natureza, um elemento binário, sem possibilidade de ponto de equilíbrio, sem movimento – duas posições sem nada que as intermedeie. Um interruptor constitui então um limite, uma fronteira, se bem que paradoxal e contraditória, pois quando abre impede a passagem, e quando fecha restabelece-a, como se percebe na sua representação comum nos diagramas eléctricos (figura 1). 2. É notória a semelhança entre o interruptor e a porta, tanto no desenho como na função – os dois fazem parte de limites, interrompem realidades, ambientes e situações. Há contudo portas que exacerbam as suas funções – a porta da prisão, a porta de casa, do bordel, do museu, ou a porta da galeria de arte. É sobre esta última que este texto pretende incidir. Tal como nos outros exemplos, a porta da galeria de arte (como interruptor que é) interrompe uma realidade, um fluxo contínuo e vibrante, para impor um limbo, à vez absurdo, inútil, inconsequente, ou belo e fascinante, etc. É na porta da galeria que podemos situar as tensões entre arte e vida, ficção e realidade, simulação e documento, passado e presente, representação e apresentação, estética e ética, espectador e sujeito. Esta porta, qualquer porta, é um claro elemento político, de poder e desejo, de posse e partilha, de prisão e possibilidade. O interior da galeria, por assim dizer, é exterior à vida; a galeria, por via do interruptor-porta, é uma espécie de parêntese urbano, que abre e fecha, criando um terreno desigual, fundando uma situação diferente no chão comum, um pestanejo da vida. O parêntese, tal como a porta da galeria, cria uma situação insolúvel, uma fusão impossível – uma separação; cria uma ilha num plano antes homogéneo. (1) Os parênteses – outra forma de interruptor –, são uma suspensão, uma suspensão da respiração, como vimos há pouco; ao abrirmos a porta da galeria ficamos expectantes, esperamos, tornamo-nos espectadores. Interruptor – Porta – Parêntese. 3. Foi talvez por isso, que em 1995, Martin Creed instalou, na Javier Lopez Gallery, um vulgar travão de porta, fixado no chão, de modo a que esta abrisse apenas em 45 graus, ao contrário dos 90 que são comuns (“Work n.º115”). Por ser limite, esta porta constitui-se como fronteira e abertura (figura 2). Como pode um limite ser abertura? Não são afinal os limites o contrário de aberturas? Um limite é algo (uma pele, uma superfície, uma convenção, uma lei) que divide dois campos, duas coisas, e assim cria imediatamente um interior e um exterior, um dentro e um fora, um aceitável e um inaceitável. Um limite delimita, portanto, torna um espaço finito; mas é esse confinamento que finalmente permite o salto, que permite a fuga, a aventura e a viagem ao estrangeiro – “apesar de o finito ser fechado, é sempre possível esperar sair dele, enquanto que a infinita vastidão, por ser sem saída, é prisão.” (2) Só o espaço finito proporciona o fora, diz Blanchot; como sair do infinito? Não deixa de ser notável que a fronteira – um limite precisamente – tanto denomina o muro inultrapassável como o exacto local onde este se abre e convida à passagem. Mas há ainda outra questão que permite afirmar que o limite é abertura. Um limite, como já se viu, cria um interior e, acima de tudo, um exterior – tenta resguardar um espaço e assegurar uma comunidade. Mas o que é este exterior de que falamos? Em A Comunidade que Vem, Agamben escreve, “importante aqui é o facto de a noção de ‘exterior’ ser expressa em muitas línguas europeias, por uma palavra que significa “à porta”. O exterior não é um outro espaço situado para além de um espaço determinado, mas é a passagem, a exterioridade que lhe dá acesso – numa palavra: o seu rosto, o seu eidos. A soleira não é, neste sentido, uma outra coisa em relação ao limite; é, por assim dizer, a experiência do próprio limite, o ser-dentro de um exterior.” (3) A porta reticente de Creed trabalha no interior desta mesma questão, no fio da navalha do exterior, na sua espessura ínfima e desconcertante. Dá a ver e a sentir este espaço negligenciável. A porta de uma galeria é o elemento que divide os homens em sujeitos e espectadores, mas esta porta fá-los coincidir, neste espaço impossível. Ao abrir a porta só até metade o visitante duvida – se a porta pode ser vista como uma figura da potência no espaço real, a dúvida será o correspondente no espaço do pensamento – entro ou não entro; fechada ou aberta; arte ou defeito; espectador ou sujeito. 4. Porque existe esta tensão entre arte e vida? Porque sempre quis a arte imiscuir-se no fluxo da vida, influenciá-la, entranhá-la? E como pode este movimento ser possível? Desde sempre, vimos a vida (o quotidiano) incluir-se na arte, seja com a natureza-morta, com o Realismo, com o readymade, com a Pop Art, etc. Mais difícil tem sido o movimento inverso – a arte entranhar-se na vida, isto é, a arte deixar de ser um intervalo no quotidiano, uma interrupção na vida, precisamente. Porquê a preocupação recorrente com este parêntese? O que se pode perceber neste incómodo? A demanda pela arte na vida é afinal uma demanda pelo verdadeiro poder da arte. O que pode a arte? O que pode a arte para além dos limites da galeria, para além do interruptor basculante? Enfim, que consequência pode a arte ter na vida? É esta a pergunta essencial que a crítica a esta interrupção faz nascer. Reconhecemos algumas tentativas de ligar a arte à vida – por parte das instituições: a deslocalização de galerias para espaços menos assépticos e convencionais; abertura de espaços de exposição em locais insólitos, num movimento de aproximação ao quotidiano comum e de desvinculação de pressupostos quanto à recepção do que é exposto, etc. – em todos estes casos o problema da porta da galeria, do interruptor, da interrupção, persiste; arte pública, estratégia que finalmente obvia a questão da interrupção, mas que geralmente falha nos pressupostos e consequências, ou por ser meramente decorativa, ou por se tentar impor e instruir os transeuntes. E tentativas de artistas: inclusão do quotidiano na obra de arte e tentativa do inverso, isto é, tornar o quotidiano visível através da arte (estratégia paternalista) ou tornar a arte visível através do quotidiano; a obra como documento (prova, memória, elucidação, notícia); obras que pressupõem a participação do espectador; e por fim, a arte crítica e política. Ou seja, para se emancipar da sua condição de interrupção, ou a arte sai da galeria ou o sujeito entra nela. Desta enumeração rápida dedicar-nos-emos apenas à arte dita política, se bem que esta poderá tocar em todos os anteriores pontos. 5. É muito frequente lermos que, nas suas obras, tal artista reflecte sobre algo, investiga, problematiza, critica, denuncia, torna visível. Por exemplo, recentemente li algo muito comum, tanto nos textos jornalísticos sobre arte – habitualmente acríticos – como em textos de catálogos, que possuem outra responsabilidade e espaço; a propósito de um artista sul-africano, escrevia-se que o seu trabalho se caracterizava por uma denúncia do Apartheid. Denúncia a quem? Aos sul-africanos? Negros, brancos? Denúncia aos estrangeiros? A quem não saiba o que o Apartheid foi? Que poder tem uma denúncia quando o anúncio já foi há muito feito? Arte política? Claro que não. O que acontece na maioria destes casos é que o artista apenas opina, apenas se expressa, como qualquer outro artista ou poeta ou pintor naif – (e o facto destas obras constituírem apenas opiniões faz com que tenham um interesse, digamos, residual). Este artista opina e expressa as suas preocupações sobre injustiças, erros, faltas, desinteligências, gostos, orientações, minorias. E claro, o facto destas opiniões incidirem sobre questões de ordem política, social ou ética, não transforma estas mesmas obras em arte política. Aliás, e aqui encontramos um ponto absolutamente decisivo na discussão – estas obras demonstram geralmente um carácter paternalista, se não mesmo didáctico (4), quando se predispõem a ensinar o espectador, ou a ajudá-lo a criar uma consciência crítica acerca de alguma questão pertinente para o artista, tentando influenciar e até mesmo construir-lhe uma opinião. O espectador é assim visto como alguém que vive na escuridão do engano e da ignorância, alguém que necessita de uma orientação – orientação não é apenas uma direcção possível, é a direcção que devemos seguir –, alguém finalmente, que necessita de uma luz que o guie; e essa luz seria a obra, e o sol o artista, claro. O que acontece contudo, e relembrando Francis Ponge, é que estas peças luminosas apenas criam sombra (5), apenas constrangem e privam; impressionam, pressionam, oprimem. Estas peças serão políticas, sim, mas apenas porque maculam a liberdade do espectador. Para além de paternalistas, estas peças desajeitadas, no limite, mostram-se ortopédicas, na medida em que tentam endireitar o esqueleto crítico do espectador. (6) 6. Paternalismo e ortopedia serão talvez os dois maiores problemas que uma arte política pode enfrentar. Há contudo, um aspecto onde estas estratégias parecem acertar – todas elas partem do pressuposto de que será pela política e pela ética que a arte poderá entranhar definitivamente a vida – pela política porque exigirá um espectador livre, e pela ética, porque sendo livre, este espectador será responsabilizado por todas as suas acções. Não existe liberdade sem responsabilização – a segunda funciona como prova de existência da primeira. Um espectador que é orientado, conduzido, obrigado, é alguém que vê as suas possibilidades afunilarem-se de tal modo que fica sem escolha possível, sem opções – fica preso a uma linha ortodoxa –, e só quando restabelece a sua liberdade, poderá violar aquela orientação castradora. 7. A este espectador livre, Jacques Rancière chamará emancipado. Emancipado não quererá dizer tanto autonomizado ou independente, mas antes igualado. “A ideia de emancipação implica que não existam lugares que impõem a sua lei, que existam vários espaços num mesmo espaço, várias maneiras de o ocupar, a cada momento o truque está em saber que tipo de capacidades cada um põe em movimento, que tipo de mundo cada um está a construir.” (7) “Emancipação é a possibilidade do olhar do espectador ser diferente do previsto.” (8) “Não se pode esperar a emancipação de formas de arte que pressupõem a imbecilidade do espectador, enquanto antecipam o seu preciso efeito nesse mesmo espectador: por exemplo, exposições que denunciam a ‘Sociedade do Espectáculo’ ou a ‘Sociedade Consumista’ – sendo que já foram denunciadas centenas de vezes – ou aquelas que querem tornar o espectador activo a todo o custo, com a ajuda de expedientes e truques copiados dos meios da publicidade, um desejo fundamentado na pressuposição de que o espectador será necessariamente passivo por apenas olhar. Uma arte pode ser emancipada e emancipadora quando renuncia à imposição de uma mensagem, a um público alvo, a um modo unívoco de explicar o mundo, quando, por outras palavras, deixa de querer emancipar-nos.” (9) Numa outra entrevista, em 2000, sobre Joseph Jacotot, a quem Rancière dedicou o livro Le Maître Ignorant (1987), diz ainda “Os progressistas que proclamavam a igualdade como sendo resultado de um processo de redução de desigualdades, de educação das massas, etc., reproduziram a lógica do professor que assegura o seu poder ao mostrar-se dono da discrepância entre ignorância e conhecimento que pretende fazer desaparecer. A igualdade tem que ser vista como ponto de partida, e não como destino.” (10) 8. O espectador livre, emancipado, é um espectador responsabilizável, como já vimos. Ora, um espectador responsabilizável será necessariamente um espectador reconhecido, notado, não vigiado mas ainda assim, visto; um espectador com corpo e peso. Podemos antecipar as implicações desta nova situação. Antes de mais, percebe-se desde já a sua emancipação, a sua igualização ao que é exposto na galeria; isto é, não são apenas as obras que são vistas, sendo os espectadores apenas vultos que evoluem pela penumbra, pela sombra literalmente; são estes mesmos que se tornam visíveis e criticáveis – ao se expor ou ser exposto, ao usufruir da liberdade num espaço outro, o espectador é impedido de divergir de si, de se desencontrar, de se alienar num outro tempo, no da obra de arte. Espectador livre, sujeito com corpo. “Foi Aharon Markus, o farmacêutico, que formou a hipótese de que após milhares de anos de existência sobre a Terra, o homem talvez fosse a única criatura viva ainda não completamente adaptada ao seu corpo, e do qual tinha muitas vezes vergonha. E por vezes, notava o farmacêutico, dir-se-ia que o homem espera ingenuamente a próxima etapa evolutiva, no curso da qual ele e o seu corpo seriam separados em duas criaturas distintas.” (11) Pode dizer-se que a vergonha acontece quando o corpo e espírito coincidem. Posso sentir vergonha como Filipe Pinto mas não enquanto espectador de teatro, de cinema ou de outra arte. Isto é, na experiência artística comum nada é comigo. Eu posso identificar-me, é certo, mas faço-o por comparação, por analogia, por aproximação. Ora, a vergonha é uma co-incidência, uma incidência simultânea, um duplo cair ao mesmo tempo no mesmo espaço – no sujeito. O si e a consciência de si em intimidade absoluta – “A vergonha é o sinal de uma inaudita e tremenda proximidade do homem em relação a si próprio.” (12) Um espectador livre não é necessariamente um sujeito envergonhado, mas esta é uma hipótese essencial que reúne os tempos e os espaços divergidos pela interrupção da porta da galeria, que permeia o espectador, que permite aceder ao sujeito que o fundamenta. 9. Vimos como a arte pode comprometer a liberdade do espectador, quando, paradoxalmente, o quer libertar. No entanto, por vezes, é o próprio espectador a cometer o delito, adoptando uma atitude de subserviência. O espectador livre, formulação que à partida poderá constituir um paradoxo, é aquele que, de dentro da galeria, para lá do interruptor-limite, pode perguntar, para que serve isto? Para que é que isto me serve? Tem esta experiência lugar no meu mundo? Se assim for, o próprio interior da galeria fará parte do meu mundo – anula-se a interrupção. Isto é, parece estarmos aqui a falar de espaço, quando, na verdade, nos queremos centrar no tempo, numa experiência de tempo, numa crítica a um tempo peculiar, que é o tempo do intervalo, do passatempo, da interrupção ou desmaio da vida. Se o espectador livre (o sujeito) sobreviver à passagem pela porta da galeria, não perguntará mais o que quer isto dizer? O que quis o artista dizer com isto? Com o espectador livre, a experiência artística deixa de se parecer com uma novela policial, com a busca de uma verdade existente e unívoca, uma verdade que tem um autor, uma verdade autoritária. O espectador livre não fará pois uma viagem ao passado – às causas e origens da peça e artista, numa demanda endoscópica, numa busca arqueológica para desenterrar a verdade esclarecedora e iluminante –, pelo contrário, dedicar-se-á às implicações do que vê, isto é, como poderá ele utilizar o que vê, como poderá ser-lhe útil aquela experiência. Se nos interrogamos sobre o significado de determinada peça, estamos a interrogar-nos sobre a intenção do autor, que por sua vez, parece constituir a verdade da obra. A intenção, mais do que uma origem da peça, quer representar o seu destino, o fito e o final; a intenção fecha a obra. O objectivo do artista, a sua intenção, é afinal mais um elemento que de dentro da galeria obstrui a agilidade e movimento do espectador, e, sendo este um texto sobre arte, vida e política, e especificamente sobre liberdade, esta busca pelo significado misterioso da obra torna-se aqui contraproducente. É claro que é desejável que haja uma intenção do artista, mas que esta não seja entendida pelo espectador como a única possível, como forma de tornar a obra unívoca, como coagulação da experiência. 10. Ao contrário do museu, que tenta constituir um passado mais ou menos sedimentado, estabilizado, a galeria apresenta um passado temporário, mas ainda assim, passado. Passado esse que é tanto a obra que se expõe – máscara mortuária da sua concepção, diria Walter Benjamin –, como ainda mais, a intenção do artista. Quer dizer, quanto mais ligamos a obra ao artista, quanto mais nos tentamos aproximar da intenção daquele, mais nos desligamos do presente, do nosso tempo, e investimos numa viagem temporal; o artista é o passado da obra, que por sua vez já é para nós passado. A intenção resulta assim para o espectador num duplo passado; e cada vez mais a porta da galeria se altiva, e exacerba a interrupção que causa. Por isso mesmo já atrás se escreveu que essa porta delineia um limite entre passado e presente, entre o tempo da obra e o do sujeito – é uma representação e uma apresentação desse limite (a porta da galeria não é aqui um símbolo). A porta de Creed, que hesita, hesita entre um passado e o presente, entre o espectador que experimenta sempre algo transacto, e o sujeito que evolui pelo actual. 11. Este texto é portanto uma crítica à interrupção inaceitável que a arte provoca na vida, quase como um passatempo – passar o tempo sem ter a sua consciência –, imolando-se a si própria nessa mesma interrupção. No entanto, esta não é uma questão de sobrevivência da arte – a arte depende mais da finança do que de obras que pressuponham um espectador livre, como por exemplo se percebe pelo crescente número de fotógrafos artistas (como se passou com a pintura no anos 80 ou com a arte vídeo nos anos 90), cada vez mais inconsequentes, cada vez mais redundantes. (13) Defende-se aqui, como se percebe, a utilidade da arte, ou como certa vez Robert Filliou disse, ‘Arte é aquilo que faz com que a vida seja mais interessante que a arte.’ [Ao longo do texto fomos passando perto de ideias já conhecidas, não as referindo contudo, tais como os ‘não-lugares’ (Augé) – o interior da galeria como espaço exterior à vida –, a ‘assinatura’ (Derrida), e a ‘morte do autor’ (Barthes, Foucault) – intenção do autor, liberdade do espectador; são algumas pistas para reconhecer bifurcações possíveis da questão.] Filipe Pinto Artista, vive e trabalha em Lisboa. NOTAS (1) Uma ilha, que é sempre uma espécie de excrescência terrestre no meio do mar, uma interferência aparentemente independente – a elevação seca serve para mostrar que existe terra debaixo de todo o mar, que no fundo no fundo precisamente, toda a terra está ligada. (2) Maurice Blanchot, O livro por vir, Lisboa, Relógio D’Água, 1984, p.104. (3) Giorgio Agamben, A Comunidade que Vem, Lisboa, Editorial Presença, 1993, p.54. (4) Existem outras palavras mais incómodas que poderão também nomear esta disfunção, tais como evangelizar ou domesticar. (5) “O sol, que esbofeteia de alegria, no mesmo gesto enfarpela cada coisa com a sua negra toga de juiz”, Francis Ponge, “O Sol Pião a Açoitar (I)”, in Alguns Poemas, (trad. Manuel Gusmão), Lisboa, Edições Cotovia, 1996. (6) “Uma estética ortopédica visa transformar agressivamente a consciência do espectador (implicitamente definido como imbecil) através de um encontro esmagador com a obra de arte.”, Grant Kester, “Dialogical Aesthetics: A critical framework for littoral art”, (Variant 9, Winter 1999/2000). (7) Cf. Entrevista com Rancière, “Art of the Possible, Fluvia Carnevale and John Kelsey in Conversation with Jacques Rancière”, ArtForum, New York, March 2007, p. 262. (8) Idem, p. 267. (9) Idem, p. 258. (10) I Jacques Rancière: Literature, Politics, Aesthetics: Approaches to democratic Disagreement interviewd by Solange Guénoun and James H. Kavanagh, Substance 29.2, University of Wisconsin Press, 2000, p. 3. (11) David Grossman em Voir Ci-Dessous citado por Jean-Luc Nancy, Corpus, Lisboa, Vega, 2000, p. 50. (12) Giorgio Agamben, Ideia da Prosa, p.78. (13) A propósito, Boris Groys, num texto sobre a categoria do Novo, escreve que o museu é a estrutura que permitirá obviar a redundância na arte; “culturas sem museus”, escreve Groys, “são ‘culturas frias’, como Levy-Strauss as definiu, e estas culturas tentam manter a sua identidade cultural intacta reproduzindo constantemente o seu passado.” Com o passado preservado no museu, com a história da arte visível no museu, continua Groys, “a forma geral da arte moderna não é ‘agora sou livre para fazer algo novo’, mas simplesmente, ‘é impossível fazer o velho outra vez’.” Groys chama a esta contingência tabu-museu. E continua, “todo o artista tem dentro de si um curator, que lhe diz o que não mais é possível fazer, o que é que nunca mais vai ser coleccionado.” Boris Groys, On the New, 2002. |