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OPINIÃO





Fotografia: Teresa Tojo.


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ATLAS DE GALANTE E BORRALHO EM LOULÉ



NATÁLIA VILARINHO

2016-10-03




 

É quando se ouvem palmas que tudo termina. Foram cinco dias de ensaios, um de apresentação e um de actuação. No fim fazem-se balanços. A performance Atlas, de Ana Borralho e João Galante, foi desta vez até Loulé para aquela que foi a sua 37ª apresentação, num Cine-Teatro que foi grande demais para tão pouco público.

Apresentado pela primeira vez em Lisboa em 2011, Atlas surgiu como um colectivo dizer “não” às políticas culturais então vigentes. Sobem em palco 100 pessoas para declarar a sua actividade profissional ou condição face ao trabalho. O objectivo é desenhar um mapa da sociedade humana, jogando com o momento em que cada um dos intervenientes diz a sua frase e se diferencia do grupo que está em palco e do enorme tecido social que representa.

Foi menos de uma semana antes da apresentação de Atlas ao público louletano que teve lugar a recepção aos participantes na plateia do Cine-Teatro da cidade. Estavam cerca de 20 pessoas presentes (e muitas crianças), quando João Galante, Alface e Micas explicaram no que consistia a performance e de que modo tudo se iria desenrolar. É Galante que explica que, ao reflectir o lugar do público, ele e Ana Borralho começaram a criar instalações e performances com o público no centro da acção. Inicialmente idealizado como um desenho de 1000 artistas, Atlas passou, em palco, para 100 participantes. Desde a primeira apresentação, por ocasião do aniversário do Teatro Maria Matos, até hoje, Atlas foi-se modificando, como um organismo vivo que pulsa retendo a energia de cada um dos participantes envolvidos. É Alface que explica que Atlas reflecte “a revolução social e política de cada um e por isso toca sempre num ponto crítico”. Este ponto critico, que se modifica em cada uma das apresentações, trata de um tema especifico, relativo a cada cidade por onde passa e a cada tempo no qual se desenvolve. Se na primeira representação, Atlas focou o número de desempregados em Portugal, quando chegou à finlandesa Helsínquia, onde o desemprego não constitui um problema, o tema focado foi o número de cidadãos que precisam de tomar anti-depressivos para continuar a trabalhar.

Apresentaram-se vídeos de outras performances, em Lisboa, Rio de Janeiro, Faro, Nantes, Basileia e Bordéus. Cada local tem uma história para contar, um número para apresentar, um problema para gritar. Quando este grupo de trabalho se senta, num círculo, para se apresentar, apercebemo-nos de que há pessoas de muitas zonas do país: Trás-os-Montes, Alentejo, Lisboa, Porto… Uma participante do Norte faz referência ao défice da oferta cultural no Algarve, algo que a casaBranca (projecto cultural de Ana Borralho e João Galante sediado em Lagos) procura combater com a apresentação do Festival Verão Azul, agora na sétima edição. Nesta altura, em que o grupo está mais composto, as pessoas falam da sua dificuldade em expor-se, pessoas que têm dificuldade em definir a sua profissão, mas também pessoas que dizem que fazem teatro, deixando no ar uma possível confusão dos participantes entre aquilo que é uma peça de teatro e uma performance. Atlas pega na ideia de Joseph Beuys de que cada homem é um artista. Rompe-se a norma do artista criador em palco para se abrir a totalidade do campo artístico a “não artistas”. A convicção do artista alemão de que a revolução ocorre dentro de nós, tendo a arte o poder de transformar a vida das pessoas, está presente na idealização de Atlas como performance. A explicação aos participantes das ideias de Joseph Beuys, ainda que rápida, poderia ser positivo na clarificação plena da participação de cada um.

Entre os 41 participantes que no fim deste primeiro dia está disposto a participar em Atlas, há pouca variedade no conjunto das profissões apresentadas. É tempo de começar a pensar em como particularizar cada um.

No segundo dia, o primeiro em que se pisou o palco, as pessoas fazem-no nitidamente mais como actores do que performers e as crianças, também participantes, entretêm-se a contar as cadeiras vazias da plateia. Neste dia há mais pessoas do que no dia anterior, o que é notório quando todos dão as mãos para os exercícios de respiração e aquecimento. São 60 minutos em que Alface e Micas tentam levar os participantes a interagir uns com os outros, o que ao segundo dia de aquecimento é mais do que notório já ter acontecido. Pouco depois de Alface pedir que as pessoas respirem fundo e que tirem “o dia de dentro de si”, é já visível um balanço geral do corpo dos participantes, que relaxados permanecem de olhos fechados. Há sempre pessoas preocupadas em olhar à sua volta, mas ninguém olha para ninguém, cada um está no seu momento particular. A diferença entre o primeiro e o segundo exercício inicial é imensa. O grupo está mais descontraído, mais calmo e em maior relação entre si.

Já se falou da performance, do momento da ida à frente do palco para cada um dizer a sua frase. Agora é tempo de discutir, em grupo, qual o momento crítico a ser apresentado em Loulé. Praticamente de forma unânime, é escolhido o tema da exploração petrolífera na costa algarvia. É um momento interessante, de troca de ideias, como aquele que se vive no quarto dia de ensaio, altura em que as frases são alteradas, aumentadas, cortadas pela produção do espectáculo. Continua a haver pouca variedade de profissões entre o grupo, por isso é tempo de organizar as frases que irão ser apresentadas.

Embora se trabalhe diariamente o momento da frase de cada um e os mais variados momentos da performance, é só no dia anterior à apresentação do público que se ensaia, pela primeira vez, a performance do inicio ao fim. Parece correr bem. Pelo menos para quem participa, há uma sensação geral de satisfação com o trabalho realizado. Não seremos 100 em palco, mas sim 75, e mesmo assim somos insuficientes para este número. Serão convidadas a participar 4 pessoas da plateia.

No dia da performance chegamos duas horas antes ao Cine-Teatro de Loulé para acertar pormenores finais. Há quem ainda não se sinta confortável com a sua frase e ainda a veja ser alterada antes da apresentação ao público. Repetem-se procedimentos, fala-se de coisas novas, instala-se um nervoso miudinho. Há participantes aparentemente mais seguros que por trás das cortinas tentam acalmar os outros e que em frente ao público falham. Há participantes aparentemente nervosos e que quando sobem ao palco são seguros. Há pessoas que, em cima da hora, pensam em dizer algo completamente diferente do ensaiado. E há pessoas que espreitam entre as cortinas e dizem aos outros que o público começou a entrar.

Sobe-se ao palco, diz-se a frase. Acompanha-se os restantes participantes. Tenta-se evitar e minimizar erros. Tudo termina quando se apagam as luzes e se ouvem palmas. A tensão sai dos ombros. Atlas irá agora ao encontro de novos participantes.

 

Natália Vilarinho