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OPINIÃO


Zeng Fanzhi no seu estĂșdio em Pequim.


Cartaz da exposição de Zeng Fanzhi no Musée d'Art Moderne, Paris.


TrĂ­ptico Hospital No.2 (1992), Ăłleo sobre tela.


Man&Meat (1993), Ăłleo sobre tela.


Mask Series NÂș5 (1994), Ăłleo sobre tela.


Mask Series NÂș6 (1996), Ăłleo sobre tela.


Mask Series NÂș10 (1998), Ăłleo sobre tela.


Tian'An-Men (2004), Ăłleo sobre tela.


Little Boy (2006), Ăłleo sobre tela.


Bacon and Meat (2008), óleo sobre tela, da série Artistas


Head of an Old Man (2012), Ăłleo sobre tela.


Praying Hands (2012), Ăłleo sobre tela.

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ZENG FANZHI



AIMEE LIN

2014-01-15




Um dos pintores chineses comercialmente mais bem sucedidos nĂŁo sĂł acabou de inaugurar em meados de Outubro uma exposição individual do seu trabalho em Paris, no MusĂ©e d’Art Moderne, mas prepara-se tambĂ©m para construir o seu prĂłprio museu em Pequim, de modo a poder mostrar um tipo de arte feita por pintores em Paris. Aimee Lin encontrou-se com Zeng Fanzhi, o homem com uma ideia expandida do papel do artista nas relaçÔes Oriente-Ocidente.

Texto de Aimee Lin


O estĂșdio de Zeng Fanzhi estĂĄ localizado nos subĂșrbios a nordeste de Pequim, em Caochangdi, onde tem um pequeno e sossegado pĂĄtio sĂł para si. O estĂșdio Ă© luxuosamente espaçoso. Adornando uma parede estĂĄ uma pintura a Ăłleo de 4x4m, Praying Hands (2012), que foi mostrada na exposição individual do artista na Gagosian Gallery London, na Britannia Street, em 2012.
Apesar da exposição em Paris não ser a sua primeira exposição individual no circuito dos museus, é a sua primeira retrospectiva a meio da carreira, onde serão apresentadas em ordem cronológica inversa, à medida que se caminha pela exposição, mais de 40 das suas pinturas e esculturas, desde 1990 até ao presente.
Zeng disfruta de uma considerĂĄvel fama na China resultado dos nĂșmeros prodigiosos que o seu trabalho conseguiu alcançar em leilĂ”es. No leilĂŁo de Primavera de 2008 da Sothebys, em Hong Kong, uma pintura a Ăłleo de 1996, da sua aclamada sĂ©rie Mask, foi vendida pelo preço astronĂłmico de 9,66 milhĂ”es de dĂłlares. Segundo a Ășltima tabela da ArtPrice, entre as dez obras de arte mais caras vendidas em leilĂŁo em Hong Kong entre Julho de 2012 e Junho de 2013, trĂȘs eram da autoria de Zeng. Alguns dias antes da escrita deste artigo, a Sothebys de Hong Kong anunciou que os colecionadores belgas Guy e Myriam Ullens colocaram em leilĂŁo a obra de Zeng The Last Supper (2001), a maior e mais conhecida pintura da sĂ©rie Mask. Os trabalhos mais caros de Zeng pertencem na sua maior parte a esta sĂ©rie.
Zeng sempre foi um favorito dos media. Mais de uma dĂșzia de prĂ©mios e trofĂ©us estĂŁo alinhados debaixo da janela do seu estĂșdio, enquanto fotografias das suas apariçÔes em diversos eventos comerciais frequentemente aparecem em vĂĄrias revistas. HĂĄ um ano, no entanto, Zeng ficou cansado das suas excessivas apariçÔes sociais e exposição mediĂĄtica e desde entĂŁo tem tentado, com sucesso, manter um perfil mais discreto. Foi sĂł atravĂ©s de notĂ­cias de sociedade que descobrimos que em Maio voou para Veneza a bordo do jacto privado de um magnata do cinema, onde duas das suas pinturas a Ăłleo de grandes dimensĂ”es, 2,5x10m, da sĂ©rie de 2010 Landscape, estĂŁo a ser mostradas no hall central do Punta della Dogana de François Pinault, uma mostra da colecção privada de arte contemporĂąnea deste francĂȘs.
Foi do conhecimento geral que no inĂ­cio de 2012 Zeng alugou o Ășltimo andar de um dos muitos arranha cĂ©us de Pequim para o converter num espaço artĂ­stico com 1000 metros quadrados chamado Yuan Space. Em chinĂȘs antigo, a palavra yuan significa a origem, o inĂ­cio e a fonte – um conceito em que pode ser projectada a ideia de arte. Diversas mostras importantes foram ali realizadas. A Ășltima foi uma mostra colectiva de jovens artistas experimentais locais, comissariado pela especialista em arte chinesa contemporĂąnea, Karen Smith. O programa de verĂŁo mostrou o pintor Yu Youhan que, apesar de ter representado um papel importante no desenvolvimento da arte contemporĂąnea chinesa (desde a sua inicial pintura expressionista nos anos 1970 e 1980 atĂ© Ă  sua arte Pop nos anos 1990, assim como uma significativa pintura abstracta ao longo da sua carreira), por razĂ”es polĂ­ticas nunca teve uma retrospectiva em larga escala. No inĂ­cio de 2013, o Yuan Space exibiu mais de 30 trabalhos da colecção privada de Zeng. Nestes incluĂ­am-se desenhos sobre papel de mestres como Balthus, Casper David Friedrich e Giorgio Morandi. Esta mostra, Dancing with Virtuoso, viajou agora para a Naijing University of the Arts.
De facto, Zeng Ă© um prolĂ­fico coleccionador com um interesse que abarca mĂșltiplos campos. AlĂ©m da pintura, desenhos e fotografias, tambĂ©m coleciona mobiliĂĄrio, molduras (datadas da Renascença atĂ© ao sĂ©culo XIX) e objectos que eram populares junto dos letrados chineses pela suas qualidades lĂșdicas e relaxantes (instrumentos de escrita, pedras e esculturas “naturais” tais como formaçÔes de raĂ­zes). Apesar de intimamente ligado a uma cultura chinesa tradicional, como pintor a Ăłleo Zeng Ă© profundamente influenciado pela arte ocidental. Possui trĂȘs pinturas a Ăłleo de Morandi e mais de 100 desenhos de artistas europeus de vĂĄrios perĂ­odos. Zeng tem uma fotografia de uma pequena pintura no seu telemĂłvel Samsung. É uma compra recente – uma pintura de 1880 de Paul CĂ©zanne que pertenceu em tempos a Paul Gauguin. Depois de muitas trocas de donos, a pequena pintura estĂĄ agora a caminho da China.
O espaço expositivo e a colecção de Zeng sĂŁo um ensaio para um sonho maior: construir um museu (que tambĂ©m se chamarĂĄ Yuan). As sementes de tudo isto foram semeadas hĂĄ mais de 20 anos quando o artista, na companhia do proeminente coleccionador Uli Sigg, visitaram a Fundação Beyeler na Suiça. Ali viu, pela primeira vez, amantes da arte a entrar num espaço aberto e amigĂĄvel, onde podiam apreciar arte para seu prĂłprio prazer. Foi “extremamente bonito e muito comovedor”, conta-nos. Claro que durante os anos 1990 Zeng nem sequer sonhava que um dia poderia construir o seu prĂłprio museu.
As coisas agora sĂŁo diferentes. Pego numa cĂłpia da Ășltima monografia do arquitecto japonĂȘs Tadao Ando que estĂĄ na mesinha de Zeng; na capa estĂĄ uma reprodução do Museu Yuan. EstĂĄ para ser construĂ­do junto ao rio Liangma, perto do Distrito das Embaixadas de Pequim, com uma caracterĂ­stica fachada de Ando em betĂŁo simples virada para o rio. O museu difere do anterior disciplinado trabalho neomodernista de Ando, no entanto, nessa superfĂ­cie surge uma curva sĂłbria e calma, mas extremamente difĂ­cil de construir. “Planeei anunciar o projecto do museu no prĂłximo ano, mas Ando estava ansioso para publicar o desenho arquitectĂłnico no seu novo livro. Muitas pessoas que viram o livro vieram fazer-me perguntas”, diz Zeng. Este edifĂ­cio singular, situado entre os hotĂ©is de topo no meio da cidade, estĂĄ neste momento em construção e espera-se estar concluĂ­do em 2014, abrindo um ano depois. No estĂșdio de Zeng hĂĄ um elaborado modelo Ă  escala que pode ser desmontado camada a camada, como um castelo de Lego. Zeng segura um ponteiro laser e explica entusiasmado o design e os planos futuros para cada secção do edifĂ­cio.
O que Ă© mais surpreendente para mim Ă© o facto da construção deste edifĂ­cio de 8400 metros quadrados (com trĂȘs andares e trĂȘs pisos subterrĂąneos) estar a ser totalmente financiada por Zeng. O design de Ando Ă© conhecido pela sua complexidade tĂ©cnica e consequente dificuldade na construção. Zeng, por outro lado, quer absolutamente a melhor qualidade em tudo o que faz (quando precisa de alguma coisa, seja segurança, luzes ou elevadores especĂ­ficos para museus, basicamente pede orçamentos Ă s trĂȘs melhores companhias mundiais). Como resultado, Ă  medida que a construção progride, nĂŁo Ă© possĂ­vel jĂĄ estimar o investimento total. “Eu quero investir sozinho, nĂŁo procuro patrocĂ­nios ou investimentos adicionais dos meus amigos atĂ© que eles vejam que o edifĂ­cio estĂĄ construĂ­do. Dessa forma posso ser mais convincente. Por outro lado, prevejo que nos prĂłximos 20 anos metade dos meus ingressos serĂŁo investidos neste museu.”
Por fim, mencionou os seus amigos. Indiscutivelmente, na China, Zeng Ă© o artista com o maior grupo de amigos ricos. Actua como consultor para as colecçÔes de arte dos super ricos – tanto na China continental como em Hong Kong – e frequentemente aconselha-os a comprar clĂĄssicos ocidentais nos leilĂ”es. Influenciou um grande nĂșmero de poderosos, que nĂŁo tinham conhecimento prĂ©vio de arte, a começarem as suas colecçÔes com clĂĄssicos da histĂłria da arte ocidental canĂłnica, que sĂŁo valorizados muito alĂ©m daquilo que um colecionador comum pode alcançar. ApĂłs a sua conclusĂŁo, a temperatura – e a humidade – controlada do Museu Yuan transformam-no no local perfeito para exibir as obras primas que Zeng ajudou outros a colecionar. De facto, Zeng fez planos detalhados para o funcionamento do museu a longo prazo. Quer que este seja uma casa para a arte contemporĂąnea chinesa e ocidental (assim como albergarĂĄ uma secção dedicada Ă  arte experimental), e quer alcançar isto sem ajuda estatal. Para qualquer instituição na China albergar uma exposição de clĂĄssicos da pintura a Ăłleo ocidental, as actuais leis do paĂ­s obrigam a uma soma astronĂłmica sĂł em seguros e taxas, o que faz com que a maioria dessas exposiçÔes sejam organizadas por instituiçÔes culturais oficiais apoiadas numa assistĂȘncia diplomĂĄtica e garantias estatais. Para o sonho de Zeng se tornar realidade, ele e os seus amigos tĂȘm que criar junto dos ricos uma tradição de patrocĂ­nio Ă s artes, onde indivĂ­duos abastados providenciam um apoio sustentado a projectos museolĂłgicos dispendiosos, mas sem Ăąnimo de lucro.
Estranhamente, a minha conversa com Zeng raramente toca assuntos relacionados com a sua prĂłpria prĂĄtica artĂ­stica. Zeng, tal como muitos outros pintores, Ă© cauteloso quando fala do seu prĂłprio trabalho. No que toca a trabalhos especĂ­ficos, prefere falar de tĂ©cnicas. HĂĄ quem tenha descrito diferentes fases do seu trabalho, com afirmaçÔes como “mistura da histĂłria contemporĂąnea chinesa com a histĂłria pessoal do artista”, “sinais de Andy Warhol, Francis Bacon, Balthus e Jackson Pollock podem ser encontrados nas suas telas”, ou “uma combinação de Expressionismo, abstracionismo e paisagens tradicionais chinesas”. Um sentido constante de solidĂŁo e tragĂ©dia pode ser encontrado ao longo das pinturas e esculturas de Zeng, talvez reflectindo um fragmento do seu mundo interior. E nĂŁo interessa o esforço que faz para expandir a colecção de arte ocidental clĂĄssica da China, Zeng prefere pensar o seu estilo como uma extensĂŁo da pintura tradicional chinesa. HĂĄ rumores de que criou uma sĂ©rie de pinturas em papel que, apesar de desconhecidas, dizem ser uma combinação da tradição da pintura literĂĄria chinesa e a sua muito prĂłpria linguagem abstracta.
Zeng disse numa outra entrevista que “gostava de vaguear fora do mundo fĂ­sico, atolar-se nos seus prĂłprios pensamentos, enfrentando ao mesmo tempo este mundo com sinceridade. Quando ainda era estudante, a vida era simples. NĂŁo havia mercado nem galerias... era um tempo maravilhoso.” Para Zeng Fanzhi, ainda Ă© um tempo maravilhoso, talvez um melhor, com o mercado, as galerias e uma retrospectiva da sua carreira num museu. Zeng, um sensacional caso de estudo individual, demonstra como um artista chinĂȘs, começando com pinturas, conquistou o mercado de arte actual e as galerias, transformando-se numa influĂȘncia mundial e impondo a sua riqueza pessoal e autoridade entre os super ricos, podendo assim concretizar o seu sonho de construir um museu de carĂĄcter mundial. Zeng proclama que na biblioteca do futuro Museu Yuan os visitantes, especialmente estudantes, irĂŁo poder ver de perto pinturas originais, esboços e fotografias de mestres ocidentais (desde que agendem uma visita), porque na sua mente nĂŁo hĂĄ o que substitua ver os originais de perto. Quando fala da biblioteca, assim como quando fala do seu museu e colecção, quase consigo imaginar o Zeng Fanzhi da sua juventude, quando começou a estudar pintura a Ăłleo com um vizinho na sua cidade natal de Wuhan. Esse jovem de entĂŁo, cheio de uma energia e paixĂŁo pela arte quase roçando o fanatismo, Ă© uma memĂłria distante. Mas o mesmo espĂ­rito estĂĄ bem presente no homem de meia idade que se senta sossegado ao pĂ© de mim. VersĂŁo portuguesa da tradução inglesa de Frank Qian.


Zang Fanzhi
18 de Outubro 2013 – 16 de Fevereiro 2014
MusĂ©e d’Art Moderne
www.mam.paris.fr




Este artigo foi originalmente publicado na ArtReview, Novembro 2013.