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OPINIÃO


Dolce far niente (1997), de Ettore Spalletti, XLVII Biennale di Venezia, 1997. Fotografia: Attilio Maranzano.


Vaso (1992), Cappelle sul Tavo (1982), La bella addormentata (1979), Ettore Spalletti.


Gruppo della fonte (1988), Ettore Spalletti, La CriĂ©e, Renne. Colecção: MusĂ©e d’Art Modern e Contamporaine Centre Pompidou, Paris. Fotografia: Attilio Maranzano


Documenta IX, Ettore Spalletti, Kassel, 1992. Fotografia: Attilio Maranzano


Viaggio verso Citera, Ettore Spalletti, CasinĂČ Municipale, XLV Biennale di Venezia, 1993. Fotografia: Attilio Maranzano

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A “ENTREGA” DA OBRA DE ARTE

ANA CRISTINA LEITE

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A MINHA VISITA GUIADA À EXPOSIÇÃO...OU COISAS DO CORAÇÃO

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ATLAS DE GALANTE E BORRALHO EM LOULÉ

MARIA LIND

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NAZGOL ANSARINIA – OS CONTRASTES E AS CONTRADIÇÕES DA VIDA NA TEERÃO CONTEMPORÂNEA

LUÍS RAPOSO

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LUÍS RAPOSO

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PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 2: O PRESENTE/FUTURO

LUÍS RAPOSO

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PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 1: O PASSADO/PRESENTE

ALBERTO MORENO

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Martim Enes Dias

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SOFIA NUNES

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DA CONSTRUÇÃO DO LUGAR PELA ARTE CONTEMPORÂNEA I

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PEDRO DOS REIS

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A ARTE NA ERA DA TECNOLOGIA MÓVEL

SUSANA POMBA

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V BIENAL DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | PARTILHAR TERRITÓRIOS

PEDRO DOS REIS

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EM LOUVOR DA BELEZA



MIKE WATSON

2014-08-04




A ĂȘnfase do crĂ­tico Clement Greenberg na beleza abstracta como a componente especĂ­fica do artista plĂĄstico, que influenciou uma geração de pintores desde Pollock atĂ© Rothko, deu lugar desde os anos 1950/60 ao enfoque da arte contemporĂąnea no repensar da sociedade e no papel que a arte tem nela. É raro que um trabalho artĂ­stico esteja agora absolutamente desprovido de qualquer conteĂșdo polĂ­tico, conceptual ou social, seja isso atravĂ©s da anĂĄlise do corpo (Marina Abramovic, Franko B), de assuntos metapolĂ­ticos (Beuys, Ai Weiwei), de questĂ”es ontolĂłgicas (Duchamp, Magritte), ou atravĂ©s de uma relação entre arte e produção capitalista (Warhol, Koons).

Embora se possa argumentar que um absoluto desprezo por um conteĂșdo social possa existir e existe efectivamente, tal postura Ă© demasiado bem ensaiada para ser genuĂ­na. Lembramo-nos das entrevistas de Francis Bacon com David Sylvester nas quais o desaparecido artista recusa absolutamente reconhecer qualquer conteĂșdo social nas suas pinturas, e a incredibilidade com que Sylvester tratou esta questĂŁo. Ao mesmo tempo, no entanto, as forças gĂ©meas da arte-como-polĂ­tica por um lado, desprovida de beleza como consideração central – corporizada nos trabalhos e acçÔes de Tania Bruguera, Ursula Biemann, as Guerrilla Girls, Grupo Etcetera, Teatro Valle, Voina, Pussy Riot e por aĂ­ fora – e, por outro lado, a mercantilização da arte atĂ© Ă  “n” potĂȘncia, arriscam-se a perder algo de crucial devido Ă  sua marginalização da beleza estĂ©tica.

É um retorno Ă  beleza estĂ©tica como consideração que ressaltou este ano o envolvimento do Museu MADRE, em NĂĄpoles, em “Un Giorno CosĂŹ Bianco, CosĂŹ Bianco”, numa grande retrospectiva do trabalho de Ettore Spalletti que abarca trĂȘs sĂ­tios: o MAXXI, em Roma; GAM, em Turim; e o MADRE ele mesmo. De interesse particular estava “La Bella Addormentata” (1965), a silhueta de uma montanha nos Apeninos que evoca o perfil de uma mulher a dormir. Este trabalho antecede os posteriores trabalhos de Spalletti inteiramente abstractos na sua representação da paisagem como algo que vibra e nĂŁo pode ser definido ou contido, como as arestas afiadas e ao mesmo tempo subtis da montanha tocando o espaço vazio. A trindade da montanha, corpo e observador conduz de certa maneira para o exterior do prĂłprio museu, ecoando a intensa fisicalidade de NĂĄpoles, observada de cima pelo seu vulcĂŁo, o VesĂșvio.

Spalletti, que nasceu em 1940, vem de uma geração de artistas para os quais as consideraçÔes formais permaneciam cruciais, num paĂ­s – ItĂĄlia – onde a beleza Ă© sem dĂșvida valorada como em nenhum outro. No catĂĄlogo da exposição, Spalletti Ă© citado dizendo “a arte contemporĂąnea, na minha opiniĂŁo, assume a responsabilidade do espaço, como oposição Ă  velha arte, em que esta era delimitada pela moldura.” Tomando para si a implicação de libertar a pintura da sua moldura fĂ­sica, esta citação nĂŁo Ă© particularmente uma novidade, mas vista neste contexto da exposição e da sua relação com NĂĄpoles e ItĂĄlia, pode ajudar a clarificar o que hĂĄ na beleza e Ă© fundamental para o sucesso da arte, mesmo quando se mantĂ©m um foco social rĂ­gido ou orientado para o mercado. A beleza – na formulação extremamente influente de Kant, descrita na sua “CrĂ­tica do Julgamento” (1790) – Ă© uma suspensĂŁo da capacidade de cognição num sujeito confrontado com algo que nĂŁo consegue compreender completamente mas que guarda mesmo assim um interesse peculiar. Tomando isto em conta, juntamente com a citação de Spalletti, estĂĄ implĂ­cita uma superação da moldura/enquadramento que pode ser mais crucial para conseguir um equilĂ­brio entre preocupaçÔes sociais e estĂ©ticas na arte.

A arte social opĂ”e-se precisamente aos auspĂ­cios controladores da racionalidade – que encontra o seu zĂ©nite na redução de todas as coisas a um valor monetĂĄrio – Ă  qual a experiĂȘncia da beleza, em estando para lĂĄ de uma definição, escapa. Em NĂĄpoles, a moldura para lĂĄ da qual vai o trabalho de Spalletti pode ser vista como uma que divide o prĂłprio sĂ­tio da arte do resto da cidade e da regiĂŁo onde se situa, enquanto simultaneamente une o espectador e o ambiente do qual fazem parte. Isto, sem dĂșvida, ocorre ao mesmo tempo que uma suspensĂŁo da capacidade de julgamento crĂ­tico se dĂĄ na mente do observador em frente de um trabalho como “La Bella Addormentata”. As falsas categorizaçÔes incluĂ­das no pensamento racional sĂŁo aqui postas em espera: ie, dualidades como corpo-mente, sujeito-objecto, humano-natureza. Foram estas mesmas dualidades que levaram os humanos a maltratar tanto o ambiente como a maltratarem-se uns aos outros – atravĂ©s da falta de reconhecimento da conexĂŁo da pessoa ao ambiente e a todos as outras pessoas – talvez a beleza necessite de ser restaurada na arte em vez de considerada uma preocupação estĂ©ril associada ao Modernismo e a perĂ­odos anteriores. Caso contrĂĄrio, o risco Ă© a “arte-como-polĂ­tica”, a “pesquisa artĂ­stica” e o Conceptualismo perderem, na sua destacada frieza, precisamente o que na arte pode ser exemplar de uma melhor relação entre a humanidade e a natureza. [versĂŁo portuguesa do original inglĂȘs]



Mike Watson
Teórico, com doutoramento em Filosofia pelo Goldsmiths College, contribui regularmente para as publicaçÔes Frieze, Art Review, Art Monthly, Flash Art International e Radical Philosophy.



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Este artigo foi originalmente publicado na ArtReview, VerĂŁo 2014.