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A PROCURA DE FELICIDADE DE WOLFGANG TILLMANSCONSTANÇA BABO2015-11-28
O notável vereador da cultura da Câmara Municipal do Porto, Paulo Cunha e Silva (1962-2015), pretendeu com este festival desenvolver o pensamento contemporâneo e colocar a cidade numa posição central na discussão sobre o futuro. O seu objetivo foi cumprido, tendo o evento sido uma das suas várias reconhecidas iniciativas de sucesso. A questão escolhida para iniciar o fórum sempre foi e é, claramente, importante, nos tempos difíceis e conturbados que hoje se vivem e, por isso, pode e deve ser colocada: como se define a felicidade? Wolfgang Tillmans, movido na sua produção artística precisamente pela busca do que o faz sentir feliz, foi a escolha acertada para a sessão inicial de pré-inauguração de todo o programa. No Auditório do Museu de Serralves, Suzanne Cotter, fez uma breve apresentação e falou sobre o objetivo de eliminar as barreiras que impedem de alcançar a felicidade. A diretora do Museu entende que a Arte Contemporânea pode e deve ser um meio de reflexão e de procura por um melhor futuro. O fotógrafo alemão, com um curriculum extenso de exposições, detém um trabalho tanto orgânico e humano como, em contra partida, arquitectónico. Na sua obra, apresentada de forma muito própria, é visível que, como Cotter referiu “o seu uso de espaço e escala constitui um mundo”. Quando Tillmans sobe ao palco e é o seu momento de falar, anuncia de imediato o interesse pessoal pela felicidade e o reconhecimento da sua importância. Mais adiante, ao mostrar algumas obras suas, projetando-as em grande plano, explica como pretende ampliar ideias mostrando esse mesmo sentimento presente nos outros. Através dos seus vários trabalhos, o artista tenta que parte desse estado de felicidade se reverta no espectador. Nas fotografias são representadas pessoas, muito frequentemente homossexuais, mostrando que o ser humano é feliz vivendo, amando, interagindo e fazendo o que deseja com o seu corpo, sem pudor ou vergonha. Como os cenários da noite são dos mais propícios a emergir essa mesma realidade, surgem com frequência nas fotografias de Tillmans e constituem um seu interesse desde os anos 80. Considera, assim, que a fotografia contribui para alcançar o que pretende na medida em que a utiliza como um veículo de sentimentos e ideias, muitas vezes, políticas. Esta técnica é, tal como o artista explica, a que “fala” mais diretamente o que se pretende, a um nível mais elevado do que a pintura ou o desenho. Apesar deste uso prioritário da fotografia, o artista explicou, logo de início, que o seu gosto pela prática não foi imediato. Começou por utilizar a fotocópia e a dinâmica das máquinas impressoras com as suas tintas, como mostrou numa projeção de um vídeo da sua autoria, em que o mecanismo a trabalhar em conjunto com a cor cria efeitos muito particulares. Contudo, Wolfgang Tillmans sempre entendeu que, em comum, ambas as formas de produção são resultados de reações químicas e detêm uma certa magia e aura. Aderiu rapidamente à fotografia quando se apercebeu que esta lhe podia proporcionar pictures contemporâneas, do âmbito do real, com capacidade para criar fantasias ou até mesmo fazer uma fantasia parecer realidade. O termo pictures é por si escolhido pois refere-se a uma fotografia enquanto objeto, ao contrário de images, que entende como informação imagética e imaterial. Esta distinção que Tillmans faz apresenta um quadro teórico que é imensamente trabalhado e constitui uma das grandes problemáticas da fotografia desde que esta entrou na era digital. O assunto já foi estudado por variadíssimos teóricos inclusivamente pelo grande crítico fotográfico americano, A.D.Coleman, que estabeleceu a distinção entre as fotografias que funcionam como imagens e as que surgem como objetos. Tillmans, por seu lado, dá claramente mais relevância às segundas, na medida em que é através delas que identifica a prática fotográfica. Reconhecendo que, nas exposições, há uma possibilidade da sua fotografia ser encarda apenas como elemento visual, tem um cuidado acrescido para que, ao invés, permaneça vista como objeto artístico. Essa sua forma de expor é, de facto, uma mais valia que A.D.Coleman em 1999 não tinha presente como possibilidade. Este teórico anunciou, nessa altura, que a escolha entre a “fotografia-imagem” e a “fotografia-objeto” teria de ser feita por todos os fotógrafos. Tillmans prova, hoje, que não. É possível o autor fazer da prática fotográfica digital a sua técnica sem desmaterializar a sua obra. De qualquer modo, uma das considerações de Coleman está de acordo com o trabalho deste artista é que o uso da fotografia como objeto é uma parte essencial da estratégia de comunicação. Apesar do resultado final apresentado ser, nitidamente, privilegiado no seu trabalho, o artista também atribui um lugar de destaque à superfície e ao que lhe segue. Explica como se deixa mover pela curiosidade do que está à superfície de quaisquer elementos, desde pessoas a objetos, numa descoberta das outras camadas que possam surgir. Mesmo na fotografia de arquitetura, Tillmans não mostra apenas o exterior, a estrutura, o que o olhar capta de imediato. Analisando de forma mais profunda e atenta, compreende-se que, mais do que a forma como são construídos os edifícios, é retratada a vida que neles se desenrola. O fotógrafo pretende, acima de tudo, trazer à consciência pública as situações diárias que se criam em determinados espaços que estão aquém do ideal. Por isso, estas suas produções não apresentam as composições mais direitas, rigorosas e cuidadas mas sim provenientes de um olhar direto, não programado, livre, que encara a construção de frente, por aquilo que ela é para o homem. Na verdade, ao olhar para todos os seus trabalhos, qualquer que seja a temática ou assunto, o espectador é confrontado com uma espécie de hiper-realismo onde nada é escondido e onde a experiência visual se torna quase vivencial na intensidade em que as imagens se apresentam. Tillmans tem interesse pela linguagem contida nas fotografias e isso nota-se quando estas apresentam varias camadas (layers) de leitura. Com uma clara mensagem incorporada, as obras denotam um carácter de instrumentalismo, significam algo e estão submetidas a mostrá-lo, existindo ao serviço do conceito. Na maioria dos casos os motivos são questões políticas, humanas ou sociais que refletem o contexto do seu autor. O fotógrafo arrisca aos mais variados níveis nas suas produções, jogando com o que encontra, desafiando-se a si mesmo. Admite a tentativa de produzir imagens fotográficas sem câmara, o que torna clara a sua vontade em trazer ao limite o médium fotográfico e a sua coragem para estender o seu campo. O artista admira a fotografia como se esta fosse um milagre e encara-a como uma oportunidade para fazer experiências que têm como ponto de partida questões tais como “consigo fazer isto?” ou “é isto possível?”, numa interação e equilíbrio entre o acaso e o controlo. Pretende, sobretudo, causar uma experiência visual através da sua própria experiência processual. Wolfgang Tillmans já trabalhou e viveu em várias cidades que detém um papel central na cultura mundial como é o caso de Londres, Nova Iorque ou Berlim, tendo realizado exposições nos mais variados países, tanto na Europa como nos E.U.A e, mais recentemente, no Japão. Nesta sessão, Suzanne Cotter anunciou o regresso deste grande artista a Serralves, no próximo ano 2016, para a realização da sua primeira exposição em Portugal. Aguarda-se pois, impacientemente, a oportunidade de receber e contemplar a obra que tanto fascinou o público nesta apresentação. Obra que, vista de perto, deverá permitir sentir a felicidade de Tillmans.
Coleman, A.D. (1999). “Object Makers No More: The End of Physical Photography?”, Technology Review 102:3, pp. 89-91 |