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A NATUREZA DO CONTEXTOCAROLINA RITO2009-08-22Ă evidente o percurso que a produção artĂstica tem traçado na aproximação ao espaço pĂșblico e ao seu contexto. Desde a dĂ©cada de sessenta que as intervençÔes na rua começam a ser cada vez mais comuns, desde a instalação pontual, Ă quela que se estende no tempo, passando pela performance e pelo happening. Independentemente da intenção fundadora do trabalho, esta aproximação nĂŁo circunscreve apenas um movimento de relação formal com as preexistĂȘncias, mas tambĂ©m uma proposta de relação entre a obra e as dinĂąmicas vivenciais desse lugar. NĂŁo se subentendendo, no entanto, uma potencial democratização da arte com a saĂda do espaço museolĂłgico ou galerĂstico, pois, apesar de se poder considerar uma das consequĂȘncias desta ânovaâ localização, tambĂ©m Ă© verdade que um aumento da acessibilidade fĂsica nĂŁo Ă© directamente proporcional ao aumento da comunicabilidade da mesma com aqueles que, muitas vezes fortuitamente, travam contacto com a obra. O que acontece Ă© que esta se passa a relacionar com um novo lugar, nem mais, nem menos livre, um lugar com outras condicionantes. Desta feita, o enquadramento nĂŁo se encontra circunscrito ao universo artĂstico, emergindo novas variĂĄveis na instalação e leitura da mesma. O contexto torna-se, assim, primordial, nĂŁo sĂł na criação da intervenção, como tambĂ©m no momento de encontro com o pĂșblico. Tal como Daniel Buren afirmou em 1998, âTomem muita atenção ao contexto. A todos os contextos. Ao que Ă© permitido, ao que Ă© interdito, ao que se esconde e ao que Ă© posto em relevo.â O interesse que os artistas tĂȘm demonstrado pelo trabalho em espaço pĂșblico nĂŁo Ă© derivado Ă aparente e ilusĂłria liberdade de acção que esta localização representa, mas antes ao interesse que tĂȘm em estabelecer relaçÔes com as condicionantes sociopolĂticas que o enformam. Foi o que aconteceu no passado dia 25 de Julho, no Victoria Park em Bristol (Inglaterra), com a construção da nova escultura da dupla de artistas Heather e Ivan Morison. Cerca de uma semana antes, todos os moradores dos bairros adjacentes ao Parque receberam um folheto na caixa de correio dando a conhecer o projecto, e a convidar os interessados a inscreverem-se como voluntĂĄrios para participarem no dia da instalação da peça. Para alĂ©m da construção propriamente dita, foram programadas outras actividades (mĂșsica, workshops, contador de histĂłrias, marionetas) para animarem os convivas, fazendo deste momento uma celebração do encontro. Os jornais da regiĂŁo reproduziram o convite e cerca de sessenta voluntĂĄrios compareceram para o evento. O contributo poderia ser em força fĂsica na construção propriamente dita, em dotes de bricolage, acepipes variados ou orientação das actividades. O dia da instalação da peça nĂŁo foi, assim, uma formalidade, mas um processo aberto Ă participação e envolvimento da comunidade. A festividade, enquanto acontecimento cultural, como forma de interromper a vivĂȘncia linear do tempo e promover um renascimento; aquele que os artistas quiseram imprimir com a proposta de um novo modelo social. Esta intenção encontra prolongamento na formalização da estrutura, que se assemelha a um abrigo de grandes dimensĂ”es, cuja influĂȘncia advĂ©m de edificaçÔes de construção e uso comunitĂĄrio â tais como o Shabono, originĂĄrio do Amazonas e da autoria do povo amerĂndio Yanomamo, criado para proteger das intempĂ©ries, Ă©, simultaneamente, lugar de residĂȘncia, e espaço de convĂvio. A nova estrutura, passĂvel de ser avistado de vĂĄrios quadrantes, impĂ”e-se numa das mais visitadas encostas do parque, nĂŁo sĂł pelo tamanho, mas pelo contraste que o preto da superfĂcie provoca no verde da relva. A cor preta, que deu nome Ă peça, foi obtida atravĂ©s de uma tĂ©cnica japonesa para queimar a madeira, chamada Yakisugi, que faz da superfĂcie queimada uma camada protectora. Sob o ponto de vista formal, a estrutura retoma, tambĂ©m, ideias trabalhadas anteriormente pela dupla de artistas, inspiradas na literatura fantĂĄstica da primeira metade do sĂ©culo XX. âThe Black Cloudâ (1) ergue-se como um insecto alienĂgena de grandes dimensĂ”es (cerca de 5 metros de altura e 10 de comprimento), construĂda totalmente em madeira proveniente da floresta dos artistas, no PaĂs de Gales. Ă semelhança das edificaçÔes Shabono, a cĂșpula nĂŁo Ă© completamente fechada e a maior parte da ĂĄrea que circunscreve permanece a cĂ©u aberto. A base que assenta no solo deixa tambĂ©m entrever o seu interior, pois os triĂąngulos de madeira que a sustentam estĂŁo bastante espaçados entre si. A parcial transparĂȘncia reforça, conceptualmente, a sua disponibilidade e a sua abertura Ă utilização pĂșblica. Poder-se-ĂĄ dizer que âThe Black Cloudâ Ă© uma sugestĂŁo de reuniĂŁo e encontro, consumado no dia da construção pela mĂŁo dos artistas, e delegada Ă população potencialmente interessada em fazer uso dela durante os quatro meses de permanĂȘncia no parque. A confirmar esta ideia estavam os materiais grĂĄficos disponĂveis no dia da edificação e a informação sobre o projecto no sĂtio da âSituationsâ (programa da Universidade de West of England, que se tem dedicado a projectos artĂsticos em espaço pĂșblico) onde se podia ler que, atĂ© dia 6 de Dezembro (Ășltimo dia da instalação), esta podia ser utilizada livremente pela comunidade. No entanto, Ă© necessĂĄrio retomar o conteĂșdo imperativo lançado por Buren no inĂcio do texto e perceber as relaçÔes que se estabelecem com o contexto escolhido. O Victoria Park jĂĄ era, no momento anterior Ă intervenção, um lugar privilegiado de encontro da comunidade vizinha e dos habitantes da cidade em geral. Como a maioria dos parques urbanos em Inglaterra, este espaço ostenta um desenho paisagĂstico suficientemente orgĂąnico de forma a fazer-nos esquecer que foi planificado pelo Homem. EstĂĄ extremamente cuidado, limpo e ocupa uma longa extensĂŁo de terreno, de tal forma que permite perder os seus limites de vista ou ficar-se completamente imerso no verde sem que o urbano surja entre as copas das ĂĄrvores. Por estas e outras razĂ”es (que nos levariam a enumerar o tipo de equipamentos que oferece e a sua localização na malha urbana) Ă© sobremaneira convidativo para um passeio, um piquenique, a prĂĄtica de um qualquer desporto, ou simplesmente, Ă permanĂȘncia; o que a afluĂȘncia constante de pessoas comprova. Consequentemente, parece pertinente a seguinte questĂŁo: o que poderĂĄ uma estrutura que pretende promover a reuniĂŁo e o encontro acrescentar num lugar onde estas prĂĄticas sĂŁo comuns? Poderia tratar-se de um espaço que permitisse levantar novas questĂ”es sobre o âser em conjuntoâ (2), ou que propusesse um encontro de outra natureza. Sem dĂșvida que a localização e o desenho da estrutura enriquecem a beleza da colina relvada do parque, mas numa aproximação, o tamanho torna-se monumental e a cor da madeira queimada, demasiado sombria para que se queira permanecer, principalmente, quando o que a envolve Ă© bastante mais apelativo. Quanto Ă natureza do encontro proposto, os indĂcios sĂŁo lançados pelas actividades que foram previamente programadas pelos artistas para trĂȘs das datas de permanĂȘncia da estrutura. O primeiro aconteceu no dia 25 de Julho com a construção participada pelos interessados e respectivas actividades; o segundo irĂĄ decorrer no dia 10 de Outubro e vai consistir num fĂłrum dedicado Ă reflexĂŁo sobre o actual estado do planeta e qual o papel da humanidade nesse contexto; e o Ășltimo serĂĄ no dia 5 de Dezembro, com a celebração do desmantelamento da estrutura. O encontro proposto no dia 25 consistiu numa excelente simbiose entre a reuniĂŁo da comunidade e a construção de uma obra que reflectia, formalmente, esse mesmo encontro. No entanto, apesar de se entender a intenção da celebração e da preocupação com questĂ”es ambientalistas (tambĂ©m relevadas no tipo de materiais utilizados no fabrico da peça), o espaço temporal que separa os eventos nĂŁo imprime a assiduidade necessĂĄria para que a acção dos artistas e a consequente utilização da obra pela comunidade pudesse complementar o sentido pretendido. Esta permanece, fundamentalmente, vazia, atraindo olhares curiosos. A proposta do modelo social, evidente na construção da estrutura e nas citaçÔes aos modelos de organização comunitĂĄria (Drop City (3) e Talkoot (4)), rarefaz-se na apresentação formal, na ausĂȘncia de contextualização e no seu prolongamento no tempo, esvaziando-a das presenças que a completariam. Assim, âThe Black Cloudâ funciona como uma interessante presença formal, mas cuja nova situação criada nĂŁo Ă© significativa no estabelecimento de novas relaçÔes vivenciais. Talvez, simplesmente, porque a sua proposta duplica, sem novidade, aquela que Ă© a natureza do seu contexto. Carolina Rito NOTAS (1) The Black Cloudâ Ă© um tĂtulo apropriado do romance escrito por Fred Hoyle, em 1957, que narra a histĂłria do aparecimento duma massa preta, composta de gĂĄs, que se coloca entre a terra e o sol, bloqueando a exposição solar. O desenrolar do enredo revela que esse corpo Ă© um super organismo sentient. (2) Ardenne, Paul, Un art contextuel, Paris, Ăditions Flammarion, 2004, [2002]. (3) Drop City foi o nome de uma comunidade de artistas sediada no Sul do Colorado, fundada em 1965, que propunha uma forma de vida livre, autĂłnoma da estrutura convencional da sociedade. (4) Talkoot consiste numa prĂĄtica em que cada pessoa envolvida contribui, gratuitamente, com o seu conhecimento e domĂnio tĂ©cnico para um bem comum. |