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LISBOA CULTURE FOR LIFEPEDRO DOS REIS2008-06-18Apesar do clima de crise, que diria quase crónico, que se vive no país, o certo é que se sentem mudanças e para melhor - até uma nova energia no ar. Ainda que a gerir o “jet-lag” e algum cansaço acumulado na preparação das breves férias, foi com alguma satisfação que voltei a caminhar pela “minha” cidade e apreciar os jacarandás em flor, para além dos lugares que habitam normalmente a minha memória. As duas semanas que passei em Lisboa foram assim dedicadas à família e aos amigos e também a visitas a museus, galerias e outros espaços dedicados à arte. Contudo, tal como os amigos, também alguns espaços ficaram de fora, para muita pena minha. A maior crítica que faço é que existe uma enorme dispersão destes espaços (tal como os amigos) pela cidade. Nova Iorque, para além da sua estrutura ortogonal tem também a vantagem da concentração. Alguns poderão discordar desta forma segregada, ou especializada de organização urbana em volta de uma actividade, mas o certo é que facilita a vida a quem procura um certo tipo de informação ou vivência. O número de espaços visitados em Lisboa durante duas semanas, foi assim menor do que os que posso ver numa tarde em Chelsea. Ainda assim, a qualidade da “oferta”, que tive oportunidade de ver não lhe fica atrás.Outra diferença notável foi a afluência do número de pessoas a estes espaços – nula ou quase inexistente: outra grande diferença para a realidade com a qual convivo habitualmente em Nova Iorque. Logo no primeiro dia e porque tinha recebido informação acerca da inauguração visitei a Zaum Projects. Esta nova galeria perto de Nova Campolide tem a particularidade de apostar em novos artistas, com uma forte predominância de artistas estrangeiros. A exposição presente é um “showcase” dos artistas com que a galeria se propõe trabalhar e existem algumas propostas interessantes a acompanhar. O espaço amplo e luminoso, para além da selecção de artistas expostos, reflecte uma nova energia que esta galeria quer trazer à cidade. De seguida, e embora possa parecer um pouco tendencioso visitei o espaço Transboavista. O edifício que alberga a Plataforma Revólver, Rock Gallery e VPF Cream apresenta três exposições em simultâneo: Mónica de Miranda expõe “Novas Geografias”, na Plataforma Revólver; Nádia Duvall mostra um trabalho onde se sente a performatividade do acto de produção artística, na Rock Gallery; e Frederico Ferreira exibe umas interessantes esculturas (com reminiscências da Era Espacial) que se cruzam com uma exploração acústica (Tecnognose), na VPFCream Art. No dia seguinte, foi a vez de ver “Revolução Cinética”, no Museu do Chiado – uma boa forma de tentar vencer o “jet-lag”. A exposição focada na OpArt apresenta vários trabalhos relevantes desse período artístico, que curiosamente me lembraram a exposição de Olafur Eliasson, que pude visitar recentemente no MoMA e no PS1. Porém, existem certas diferenças relativas à monumentalidade destas exposições (como tive a oportunidade de referir na crítica que escrevi recentemente). Ainda assim, não foram as diferenças ao nível da produção da exposição do Museu do Chiado que mais me surpreenderam, mas sim o fraco número de visitantes. Um problema que não passa claramente pela qualidade das obras expostas, mas sim por falta de público – também contrastada pelo número de pessoas na esplanada da Brasileira, que era notavelmente maior. Acidentalmente e porque na maioria das vezes estive a caminhar pela cidade, acabei por “descobrir” um local não esperado (na Rua Nova de São Mamede), onde se encontrava uma exposição de fotografia de Luiz Carvalho. As fotografias retratavam vários momentos captados por este fotógrafo – umas vezes a cores, outras a preto e branco. Um sinal de que a fotografia de cariz mais fotojornalista continua viva e tem também uma importância documental considerável. Ainda no “modo fotográfico” tive a oportunidade de visitar a galeria P4Photography onde pude ver a exposição de Inês Gonçalves e o trabalho de Victor Palla – que se preparava para ser vendido em leilão. Este artista surpreendeu-me pela capacidade criativa e técnica com que desenvolveu os seus trabalhos, ainda que na altura não tivesse à sua disposição os meios de hoje em dia. Outro factor surpreendente é a abrangência do seu trabalho: desenho, pintura, fotografia e design gráfico. Que a notariedade que o leilão parece ter atingido ajude a divulgar melhor o trabalho deste autor. A Oriente, mais exactamente na zona de Xabregas, pode ver-se um vídeo maravilhoso, de Vasco Araújo. “Ex Ovo Omnia” está presente na Galeria Filomena Soares e, para além dele, encontram-se também outros trabalhos do mesmo artista. Não muito longe, na galeria Paulo Amaro, João Pombeiro apresenta “Meaningless”. A palavra é a base de trabalho deste artista, que a manipula com uma certa ironia. A exposição compreende pintura e instalação, onde recorre também a novas tecnologias. No lado oposto da cidade, acabei por ter apenas tempo para visitar o piso inferior do CCB. A exposição “Utopias”, comissariada por Paul Wombell no âmbito da PHotoEspaña, reúne vários trabalhos fotográficos onde é feita uma reflexão sobre as esperanças no futuro, que outrora foram trazidas pela arquitectura modernista. Retrata-se a sua situação actual, onde impera a decadência e a marginalidade, com registos sobre a imagem do subúrbio marginal (ou marginalizado) retratada em filmes, como “La Haine”. Um contraste claro com as ambições dos seus projectistas. Ainda que com pouca gente, notou-se uma certa animosidade no espaço do CCB, com a presença de escolas e alguns “turistas” (sendo que eu também era um deles). Na direcção do centro, a Agência Vera Cortês apresenta uma exposição de fotografia de João Serra (ver crítica de Miguel Caissotti, acerca da mesma). A caminho do Bairro Alto, paro no Voyeur Project View. Espreitando pelo óculo, vejo o trabalho de Pedro Saraiva. Entretanto, uma das portas está aberta e resolvo entrar. Do outro lado encontra-se uma peça de vídeo a “descobrir” de António Nuno Júnior, um trabalho que recorre a várias técnicas de apresentação, mas com uma estética muito própria. Demoro-me um pouco à conversa com o responsável do projecto – Rodrigo Vilhena. Um projecto que talvez seja dos mais “alternativos” que pude visitar e que aconselho vivamente. Continuando para cima, vou até à ZDB. Está fechada. Uns dias antes tinha reparado nisso, mas nesee dia era suposto estar aberta. Para muita pena minha não pude lá voltar. Entretanto, na Rua dos Caetanos pude visitar a exposição de Lygia Pape, “But I fly” – talvez das exposições mais bonitas que pude visitar. O espaço da galeria (Graça Brandão) foge a certas regras do “white cube”, que neste caso são devidamente aproveitadas para a reconstrução das enormes esculturas-teia desta artista (já falecida, mas realizadas sob orientação dos seus herdeiros e preservadores da sua obra). No piso inferior existe também um vídeo muito bonito e no acervo poderão ser vistos desenhos da artista. À noite há tempo para a inauguração de “Analema ou o Tempo Traduzido”, num pavilhão do Hospital Júlio de Matos. O “peso” das memórias das paredes criou certos desafios ao projecto curatorial de Raquel Guerra, que foram ultrapassados de forma inteligente, pelos artistas participantes. Entretanto, o calor voltou a Lisboa. Já em contagem decrescente, aproveitei para me refrescar nos jardins da Gulbenkian. Não foi possivel ver “Tilt”, a exposição de Pedro Cabral Santo, por falta de tempo e para muita pena minha. Pude, no entando, visitar a exposição dos participantes no Programa Criatividade. Apesar de muitos destes participantes já terem algum percurso no mercado da arte foi com alguma surpresa que notei uma certa “escolaridade” na forma como apresentaram os seus trabalhos; mas talvez essa fosse a intenção do dito programa. Ficou no ar. Contudo, algumas das propostas eram verdadeiramente interessantes e apenas perderam por aparecerem dentro daquele contexto limitativo. Os dias seguintes foram uma maratona, para tentar ver o máximo número de galerias e espaços que podia. Apesar de passar muitas vezes em frente ao espaço do Chiado 8, apenas passados uns dias o pude fazer. Alexandre Estrela é o artista convidado por Ricardo Nicolau a “ocupar” o espaço e que o faz de forma brilhante, com três trabalhos: “Um homem entre quatro paredes”, “The overt statuette” e “O cancro esconde-se nos cantos”. Por sorte, tanto o comissário, como o artista estavam presentes e tive o privilégio de uma visita guiada. Perto do Cais do Sodré, a galeria Quadrado Azul apresenta Brasil, de José de Guimarães. Já na Rua de S. Paulo, a galeria Fernando Santos expõe “Seis” de João Tengarrinha. Na Rua da Imprensa Nacional, a galeria Baginski mostra “Uma exposição em tres tempos” onde Rita GT, Ramiro Guerreiro e Erika Erickson & Mathias Benfield expõem as suas propostas. Sobressai claramente a instalação de Rita GT, com a sua instalação, em que se destaca uma performance registada em vídeo e exposta em cima de uma pilha de jornais. Na Estrela, a galeria Cristina Guerra mostra o trabalho de Christian Andersson com três propostas interessantes. Infelizmente o tempo não sobeja e tenho de sair. Por outro lado, sente-se no ar o trabalho que esta galeria está realizar fora de portas – provavelmente a acompanhar João Onofre, em Basel. Em plena Avenida da Liberdade, mais um espaço alternativo – ou melhor, de experimentação artística – Espaço Avenida. O primeiro andar encontra-se ocupado por uma exposição colectiva, de onde destaco o vídeo de Beatrice Cantazaro e os desenhos de Catarina Patrício. Nos restantes andares acima encontram-se estúdios de alguns artistas – entre eles Pedro Barateiro, segundo me informaram. No rés-do-chão, Gonçalo Pena encontra-se a trabalhar no seu atelier. Tira-nos uma fotografia para a sua colecção. Já perto do Jardim das Amoreiras demoro-me num novo espaço – Galeria Pente 10. O espaço vai-se descobrindo e é uma completa surpresa, assim como as fotografias de Miguel Santos em “Love forbids us to Love”. O ritmo apressado em que ocorreram estas visitas impede-me de tecer comentários mais analíticos e/ou profundos do que os que foram sendo referidos ao longo do texto. Porém, o sentimento é positivo. Sente-se um trabalho de fundo e com qualidade, por parte de todos os intervenientes, que só não é correspondido pela falta de interesse do público. Talvez seja preciso mais “Culture for Life”. Lisboa, Junho de 2008 |