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PORQUE É QUE OS ARTISTAS DIZEM MAL UNS DOS OUTROS + LAFFAIRE VASCONCELOSPEDRO PORTUGAL2012-09-07Avant-propos: Este artigo foi pensado originalmente para ser dois. Um sobre a inexorável maledicência entre artistas: “PORQUE É QUE OS ARTISTAS DIZEM MAL UNS DOS OUTROS”. Um segundo como puro exercício encomiástico: “L’AFFAIRE VASCONCELOS”. O primeiro artigo consistia numa elaboração sobre como os artistas ao longo da história disseram mal uns dos outros e ainda na transcrição de opiniões de artistas vivos sobre Joana Vasconcelos. Depois de apreciado pelos meus advogados foi-me aconselhado não enviar para o editor a totalidade do artigo. A justificação para este óbice encontra-se no facto do teor de algumas opiniões registadas ser de tal forma acintoso, que a sua reprodução, mesmo com manutenção do anonimato, poder ser mal entendida, imputada ao autor do artigo e constituir móbil para uma ação judicial. Fica assim um só artigo em duas partes, sem a compilação das opiniões de artistas sobre outro artista que recolhi ao longo de 2 anos: PORQUE É QUE OS ARTISTAS DIZEM MAL UNS DOS OUTROS [1] A história da arte está repleta de registos comprovando que os artistas sempre disseram mal uns dos outros. Zeuxis e Parrásio detestavam-se e faziam terríveis batalhas de naturezas mortas. Caravaggio foi a tribunal acusado de ter escrito poemas vexatórios sobre as pinturas de Baglione — enfrentou a acusação negando a autoria mas afirmando, no entanto, que quem os escreveu sabia de pintura. Foi condenado a duas semanas de prisão. Courbet era odiado por todos. Van Gogh era contundente com Toulouse Lautrec e dizia que o anão só conseguia levantá-lo com “petites filles”. Manet disse a Monet sobre Renoir: “Esse rapaz não tem talento. Como tu és amigo dele tens que lhe dizer para desistir da pintura”. Picabia escreveu numa carta a uma namorada que lamentava que Picasso tivesse vendido o coração ao capital… A propósito de duas pinturas do artista X (ainda vivo) de mérito nacional e que todos conhecem, irem a leilão, o artista Y comentava com o artista Z (os três amigos e da mesma geração): “Epá, há duas pinturas do X que vão a leilão... Epá, é que estas são das boas! Alguém se devia chegar à frente para as comprar... É que o gajo fez muita merda e aproveita-se mesmo muito pouco.” Entre artistas, sabemos muito bem quem são os bons e quem são os maus artistas. Sabemos distinguir, com quase unanimidade, qual é a arte boa e a arte má que fazem os bons e os maus artistas — apreciação que diverge substancialmente do que pensa a “opinião pública”. O que não existe é a coragem suficiente para entre artistas dizer frontalmente: “Eh pá, tu não és bom artista. Desiste já antes de continuares!”. Como ninguém consegue dizer uma coisa destas e como o produto da atividade artística está num plano semi-aberto de avaliação, por ser supostamente uma expressão livre e pessoal da criatividade, algumas mediocridades passaram intactas para o tecido histórico [2]. O grande explicadista Marcel Duchamp afirmava que há milhões de artistas que criam «mas só alguns milhares são discutidos ou aceites pelo espectador e muitos menos são consagrados pela posteridade.» «Penso que a arte pode ser má, boa ou indiferente, mas, qualquer que seja o adjetivo usado, temos que chamá-la arte, e a arte má é arte da mesma maneira que uma má emoção continua a ser uma emoção.» (DUCHAMP, 1957: 28) Não pretendo desmontar o epifenómeno que parece resultar de uma prematura industrialização de uma maneira de fazer arte, mas, sinto-me na obrigação profissional de partilhar com os outros artistas e público interessado, o registo de opiniões e comentários que colecionei sobre Joana Vasconcelos. São opiniões recolhidas entre artistas, na maioria de uma maldade chocante, outras cruéis, outras denunciando inveja pura e outras revelando perversa lucidez. Estes testemunhos, necessariamente anónimos, são uma prova saudável de que os artistas vão continuar a dizer mal uns dos outros até ao fim da civilização: “…” (…) L’AFFAIRE VASCONCELOS Embora Platão e Aristóteles tenham desprezado os artistas seus contemporâneos, preferindo coisas com menos 500 anos, houve na história períodos em que o poder e a cultura estiveram de acordo com o que os artistas queriam fazer — que é substancialmente diferente do que os artistas têm de fazer. Os quatro amigos de Florença que fizeram o Renascimento tiveram liberdade total oferecida pelos Medicci, os artistas bolcheviques celebraram bravamente a revolução com Lenine e os artistas portugueses, pela mão de Ferro, festejaram o fascismo (que na altura não devia parecer uma coisa tão má). Para a artista Joana Vasconcelos é óptimo poder trabalhar para o príncipe que é o Estado português e beneficiar de um pleno de encantamento e unidade entre política e arte. É seu o mérito de ter realizado uma operação de pedagogia sem precedentes nas últimas décadas: ter feito compreender (aparentemente) a todo o aparelho de Estado, decisores artísticos e “culturatis” nacionais o que é essa quimera chamada “arte contemporânea” — que afinal dá para perceber e até gostar. Ou seja, transformou os objetos artísticos em super-discurso: o discurso que só é discurso e por isso de inteligibilidade máxima. É assim compreensível o entusiasmo nesta aliança e a cooperação sem hesitações ou constrangimentos de agentes culturais, imprensa, televisão e políticos profissionais no financiamento e difusão desta linhagem de objetos. A arte de Joana “faz todo o sentido!” — como se diz viralmente para assentir uma decisão. A partir de agora não mais coisas pretas informes, não mais texto sobre texto, não mais introspecções incompreensíveis, abaixo o corpo, fim do sexo teorizado, fim dos pensamentos indiferenciados e outras coisas más e sujas. O efeito obtido parece ser de grande pacificação, forte alívio da angústia perante a obra de arte e redução da pequena fúria por não se perceber o que é que o artista quer dizer. Para potenciação destes índices, toda a estética das elaborações formais de Vasconcelos apelam e ajustam-se ainda à tímida (?) reaparição da ideia da portugalidade e a tremenda possibilidade de portugalização do mundo [3]. Ora, se a paixão sobre o trabalho de Joana é plenamente justificável, a sua expressão não se manifesta abertamente ou sem alguma reserva maldosa, sobretudo no meio artístico — por snobeira, despeito ou inveja. Se Vasconcelos superou a popularidade de Maluda, fê-lo no género mais difícil de todos que é o Estilo Duchamp. Operou uma fusão nunca experimentada e por isso surpreendentemente eficaz, até no exterior. Um método que reconcilia o folclore com a indústria e o artesanato com o popismo. Não só é um caso de popularidade entre os autarcas de província (onde se fabricam os governantes), como também agrada à nova estirpe de grandes colecionadores internacionais que sabem aprender depressa o que é que interessa na arte do seu tempo. Mais, Joana ao contrário de outros artistas, já não precisa de disfarçar a sua nacionalidade em pastiches de estilos da europa central ou americanadas. Joana pensa em grande. Versalhes é nosso! Veneza é nossa! Quem sabe se amanhã a Cidade Proibida ou o Vaticano farão parte do nosso V Império cultural? Existe a fé, não escondida por políticos mas escamoteada pelos pares artistas, de que Joana Vasconcelos continue a fazer maior e melhor. Talvez o próprio país esteja a caminho de ser uma sua obra-prima, transacionável e valorizada nos melhores leilões do mundo. Olhando para o fenómeno de outro ponto de vista, este momento pode ser habilmente transformado numa oportunidade histórica para todos os outros artistas, comissários e ajudantes de arte. O frenesim patriótico à volta de Joana é o “kairos” de que todos os artistas (novos e velhos) estavam à espera para invocarem abandono, condição de proscitos e esmagamento dos arautos da vanguarda que vai ser infamemente ignorada nas próximas décadas. Um-País-Um-Artista num Estado democrático ocidental não é uma fórmula aceitável e tem que ser combatida, de preferência na clandestinidade, em nome de todos os manifestos artísticos e da liberdade intelectual. Mas há ainda outra razão para levarmos muito a sério Joana Vasconcelos e os objetos produzidos no seu atelier: Joana e a sua arte são heroínas entre os estudantes de arte. As escolas de arte em Portugal estão repletas de ensaios para-artísticos replicantes das experiências de Joana: coisas feitas de outras coisas, coisas grandes feitas em pequeno e coisas grandes feitas de coisas pequenas. Os professores de arte têm de saber responder com sabedoria à pergunta: “o que é que o professor acha da Joana Vasconcelos?” E explicar com humildade que Joana é a grande mestre na manipulação da Máquina dos 3 Botões Para Fazer Obras de Arte: a máquina que dá para rodar a gosto os botões da ESCALA, da MATÉRIA e da INVERSÃO [4]. A perdurar esta influência, serão obtidas dentro de poucos anos séries formais com consistência e massa suficiente para garantir uma tipologia de arte que permitirá o reconhecimento internacional de um género artístico único — como aconteceu brilhantemente com a arquitetura e o cinema pensado e feito por portugueses em Portugal [5]. NOTAS [1] Afirmo que sempre fui um grande defensor de Joana Vasconcelos. Há alguns anos propus a aquisição da obra A Noiva quando exercia funções de consultadoria artística numa coleção institucional e, como comissário, convidei-a para participar numa exposição de representação do Estado português no reino da Noruega. [2] Eduardo Lourenço ipse-dixit (pôr “artistas” antes de portugueses ou português): “Os Portugueses não convivem entre si, como uma lenda tenaz o proclama, espiam-se, controlam-se uns aos outros: não dialogam, disputam-se, e a convivência é uma osmose do mesmo ao mesmo, sem enriquecimento mútuo, que nunca um português confessará que aprendeu alguma coisa de um outro, a menos que seja pai ou mãe…” (LOURENÇO, 2001: 77) [3] Somos o país (+ o Brasil) que tem o mundo no centro da bandeira. Também temos uma marca de supermercados chamada Continente. De resto a mitologia Portuguesa tem ver com a ideia da viagem de conquista do mundo e a história das dificuldades que “surmontam”. [4] A Grande Máquina dos 6 Botões Para Fazer Obras de Arte (6BTMWA) já está em testes muito avançados. A sua tecnologia iterativa-expandida incluirá os importantes botões da DENSIDADE, PROFUNDIDADE e AMBIGUIDADE. [5] Num futuro próximo não haverá discussão sobre que artista significa “PORTUGAL” se for necessário enviar uma amostra representativa da arte portuguesa para o primeiro contacto com uma civilização extraterrestre. BIBLIOGRAFIA CITADA DUCHAMP, Marcel. “The Creactive Act”. In: Art News, 56, nº 4 (Verão 1957). LOURENÇO, Eduardo. (2001) O Labirinto da Saudade. Lisboa: Gradiva. |