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GESTãO DE MUSEUS EM PORTUGAL [2]ALBERTO GUERREIRO2007-03-16II. Autonomia Uma primeira constatação que se retém quando analisamos o panorama dos modelos de gestão dos museus portugueses é a multiplicidade de entidades de tutela de que dependem as entidades museológicas em Portugal. Aspecto este que reflecte igualmente a diversidade de interesses envolvendo as políticas museológicas; bem como a inexistência de modelos de gestão “puros” ou homogéneos. Por outro lado, verifica-se que uma grande parte dos museus que alteram o seu estatuto de tutela ou enquadramento político-institucional fazem-no geralmente na procura de uma maior flexibilização de gestão. No entanto, os museus continuam a enfrentar três problemas fundamentais de ordem prática: – concretização, desenvolvimento e aprofundamento de metas programáticas no seio de uma acção independente em relação a condicionalismos de índole externa à própria realidade do museu; – obtenção de instalações convenientes consentâneas com a programação delineada; – dotação financeira autónoma e regular assegurando, entre outras disposições fundamentais, a consolidação de uma equipa técnico-científica permanente. Estas preocupações têm tido um peso significativo, sobretudo para os museus de pequena dimensão, obrigando-os a realizar esforços intensos na busca de soluções que contribuam para a continuidade dos respectivos projectos. A maioria destes museus, nascidos de forma espontânea e por vontade expressa da(s) comunidade(s), encontram com frequência sérias dificuldades na obtenção de apoios regulares e consistentes. Esta situação levanta hoje algumas questões quanto à inexistência de dispositivos consolidados de financiamento regular sobretudo no caso dos pequenos museus privados. Alguns museus têm visto a sua situação melhorada ao serem integrados no sistema de adesão da Rede Portuguesa de Museus (RPM), que tem estabelecido, como base dos seus apoios, princípios claros e abrangentes. Benefícios reais poderiam ainda advir da fixação pelas diferentes entidades de tutela (como as autarquias) de um conjunto de critérios precisos e exigentes de apoio a museus, ainda que se deva aqui considerar a distinção entre uma maior mobilidade destes organismos enraizados numa lógica comunitária, de dimensão territorial restrita, e a maior selectividade e rigidez de parâmetros de avaliação da RPM, de dimensão amplificada ao contexto nacional, enquanto instância com vocação para a creditação de museus. Uma situação criteriosa que a implementação do sistema de credenciação de museus, introduzido em 25 de Janeiro de 2006, que regulamenta a criação de museus prevista na recente Lei-quadro dos museus portugueses publicada em Diário da República a 19 de Agosto de 2004, ajudará finalmente a concretizar no terreno. No entanto, a este respeito, não deixa de ser significativa a tomada de posição negativa da Associação Nacional de Municípios Portugueses, proferida em relação à Lei-quadro antes e depois da sua promulgação pela Assembleia da República, recusando determinantemente o princípio legislador no que toca à criação de museus previsto no diploma por o considerar uma violação do “princípio constitucionalmente consagrado da autonomia local”. Se atendermos que a ANMP representa a maior parcela (cerca de 60% dos museus em Portugal), no que toca a tutelas, do tecido museológico nacional esta tomada de posição ganha um “peso” efectivo na avaliação futura da capacidade de implementação de um quadro regulamentar para a criação de museus cujo sistema de credenciação prevê e aspira concretizar. Um segundo dado a reter é a ligação existente entre duas condicionantes que marcam a actividade dos museus: – o “peso” substancial que ainda representam os fundos públicos nos seus orçamentos; – a impossibilidade de gestão de fundos directa e autonomamente. A maioria dos museus tentam seguir um modelo de gestão optimizada, estabelecendo parcerias enquanto meio privilegiado de viabilização do seu exercício. No entanto, à sua viabilidade económica está associado, na maioria dos casos, um plano de actividades com afectação de verbas, sem controlo de gestão. Uma tal dependência tem tido em particular uma correspondência negativa no plano da dotação dos quadros de pessoal, pouco adequados na sua generalidade às necessidades das instituições, obrigando-as, numa perspectiva mais alargada, a angariar competências junto de outros serviços ou até de outros organismos. A capacidade de os museus gerarem receitas próprias tem sido apontada como uma das vantagens a equacionar no futuro uma vez que permitirá a sua sustentabilidade e viabilidade no plano de uma gestão autónoma. Um dos meios dinamizadores desta opção poderia ser, como tem sido evidenciado repetidas vezes, a venda de bens e a prestação de serviços. Apesar de esta via levantar ainda questões pertinentes de índole jurídica e ética, difíceis de equilibrar tendo em vista os limites aceitáveis da prática museológica, começa hoje a fazer sentido equacioná-la numa perspectiva legal. Por seu turno, o facto de os museus serem organizações não lucrativas – a menos que se estabeleça uma redefinição deste conceito – tem implicado sérias limitações à sua capacidade financeira, impedindo-os de promover actividades que possibilitem o seu auto financiamento. Apesar de muitos possuírem um espólio de valor incalculável, as verbas dos orçamentos são insuficientes para garantir o cumprimento da sua missão em função das suas colecções e metas programáticas. Pela importância cultural que as colecções detêm, pelo serviço público que praticam e pelas restrições orçamentais a que estão sujeitos, torna-se particularmente relevante o papel que o Estado protagoniza enquanto agente económico e de gestão da actividade dos museus. Há no entanto que sublinhar um aspecto paradoxal desta constatação: os fundos públicos de apoio a museus acabam por deter um “peso” mais significativo nas realizações de natureza privada e semi-privada. O aspecto pouco flexível e demasiado centralizado da administração pública acaba por revelar, no caso dos museus, maiores dificuldades de potenciação dos factores de gestão contribuindo assim para uma maior incidência real do investimento público junto das entidades de índole privada. Esta situação está em conformidade com o facto de, por um lado, uma grande parte do investimento público de apoio à actividade cultural provir de fundos comunitários e de, por outro lado, a dotação orçamental dos museus públicos estar consignada em plano nos orçamentos gerais das entidades de tutela, limitando-lhes aqui a possibilidade de recorrer a outras vias de financiamento público. Deste pressuposto resulta uma orientação recente que defende a crescente privatização ou semi-privatização dos serviços públicos de cultura. Os museus desempenham uma acção importante relativamente a um rol diversificado de áreas vitais para a sociedade em geral como a salvaguarda do património e da memória colectiva, o desenvolvimento científico, a educação, o turismo e até a economia. No entanto, nem sempre recebem uma contrapartida consentânea com o seu esforço de realização. Torna-se assim obrigatório encarar a “gestão sustentada” dos museus como uma função indutora do equilíbrio de forças motoras de valor cultural, social, económico e profissional que numa perspectiva ideal induzam à sua progressiva autonomização orgânica e institucional. Neste âmbito, a noção de autonomia não se poderá cingir aos planos financeiros e orçamental e deve assumir uma expressão formal de ordem jurídica. Os enquadramentos técnico-jurídicos que definem as competências das tutelas são geralmente bons indicadores de políticas e linhas estratégicas mas não introduzem frequentemente instrumentos próprios de gestão dos museus. A questão da autonomia acaba por ser aqui fundamental porquanto dela depende, em última análise, o próprio sucesso do programa de um museu, dotado entretanto de políticas próprias de intervenção. Será no fundo a autonomia jurídica que facultará um conjunto de condições favoráveis a uma gestão autónoma como o domínio de recursos disponíveis e o incremento de novas dinâmicas promovidas a partir do conhecimento interno da realidade específica de cada “instituição-museu”. Alberto Guerreiro Antropólogo-museólogo Bibliografia CAMACHO, Clara Frayão, 2002. Rede Portuguesa de Museus – Um Projecto em Construção. Actas do Fórum Internacional Redes de Museus. Lisboa. MC/IPM-RPM. pp. 7-15. GARCIA, Nuno Gulina, 2003. O Museu Entre a Cultura e o Mercado: Um Equilíbrio Instável. Coimbra. IPC. GOUVEIA, Henrique Coutinho. A Evolução dos Museus Nacionais Portugueses. Tentativa de Caracterização. Lisboa. S.n. GOMES, Rui Telmo; Lourenço, Vanda; Martinho, Teresa Duarte, 2006. Entidades Culturais e Artísticas em Portugal. Docs. Documentos de Trabalho. N.º 8. MC-OAC. Junho. GUERREIRO, Alberto, 2006. Tutelas e Museus. Breve Caracterização dos Modelos de Gestão dos Museus Portugueses. Estudo de Castelo Branco. Revista de Cultura. Nova Série. N.º 5. Junho. Castelo Branco. pp. 111-130. IPM, 2000. Rede Portuguesa de Museus: Documento Programático. Lisboa. Instituto Português de Museus/Estrutura de Projecto Rede Portuguesa de Museus. Novembro 2000. IPM/OAC, 2000. Inquérito aos Museus em Portugal. Lisboa. Instituto Português de Museus e Observatório de Actividades Culturais. IPM/OAC. 2005. O Panorama Museológico Português: 2000-2003. Lisboa. Instituto Português de Museus e Observatório de Actividades Culturais. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia, 1998. Analisar e comparar entidades museológicas e paramuseológicas. Actas do VII Encontro Nacional Museologia e Autarquias. Seixal. Câmara Municipal do Seixal. pp. 97 – 112. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henri, 2002. O conceito de «rede»: incidências sobre o enquadramento e a coordenação das unidades museológicas portuguesas. Actas do Fórum Internacional Redes de Museus. Lisboa. MC/IPM-RPM. pp. 25-39. MARTINS, António Pedro, 1999. A Economia dos museus de arte: um estudo sobre os museus do IPM. Tese de Mestrado em Gestão e Estratégia Industrial, apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade Técnica de Lisboa. |