|
A PROPÓSITO DO OBJECTO FOTOGRÁFICOLUÍSA SANTOS2009-07-10“Reality changes, in order to represent it, modes of representation must also change.” (1) Bertolt Brecht A exposição “The Photographic Object”, patente até ao passado dia 14 de Junho na Photographers’ Gallery, em Londres, levanta questões pertinentes na era actual em que a fotografia se torna acessível mas também banal e em que todos somos fotógrafos. Mostrando as capacidades e a essência da matéria, questiona a possibilidade real desta banalização. Um ponto importante no debate sobre a fotografia contemporânea, “The Photographic Object” explora a ideia da obsessão do artista pelo material, pela forma mais do que pelo conteúdo. Ou, de outra maneira, a forma torna-se conteúdo. Os artistas presentes na exposição divergem em épocas, métodos e ideias: Maurizio Anzeri (Itália, n. 1969), Walead Beshty (Reino Unido, n. 1976), Annette Kelm (Alemanha, n. 1975), Gerhard Richter (Alemanha, n. 1932), Alina Szapocznikow (Polónia, 1926-1973), Wolfgang Tillmans (Alemanha, n. 1968), Andy Warhol (EUA, 1928 - 1987) e Catherine Yass (Reino Unido, n. 1963). Os artistas estão unidos por um grupo de trabalhos em que expressaram uma angústia obsessiva pelo meio fotográfico, em percebê-lo, transcendê-lo e interpretá-lo. Se por um lado, a exposição pretende fazer pensar na materialidade da fotografia, o fascínio que esta provoca nos artistas, por outro lado, vai mais longe e é uma reflexão sobre o seu oposto: a imaterialidade a que a fotografia digital nos habituou. Uma das questões que levanta, e essencial ao debate sobre a matéria da fotografia, é a história da interdisciplinaridade da fotografia. Desde o seu início, a fotografia tem tido uma relação ambivalente e recíproca com outras formas de arte. Surpreendentemente cedo, artistas não-fotógrafos começaram a incorporar técnicas características da fotografia aos seus trabalhos. O pintor Francês Gustave Caillebotte, por exemplo, usava ângulos picados típicos de fotografia. Em “Man on a Balcony” (1880), o pintor convida o observador a partilhar a varanda com o sujeito da pintura de onde podia ver a cidade de baixo e atingir uma distância razoável de visão. Outras pinturas como “Boulevard Seen from Above” (1880), usam um ponto de fuga ainda mais alto. Em contraste, Edgar Degas, o pintor mais frequentemente citado pelo uso de efeitos conseguidos em fotografia, fez uso de pontos de vista muito baixos como na sua obra de 1879, “Miss La La at the Cirque Fernando”. Muitas das suas pinturas são notáveis pela inovação composicional e o cortar de figuras e objectos à margem da moldura, como em snapshots. Em “The Ballet Scene from Meyerbeer\'s Opera” (1876), Degas consegue capturar o movimento do salto no ar através do corte das figuras de modo a que as pernas estejam para lá da moldura. Paralelamente, os primeiros fotógrafos basearam-se na história da pintura para explorar e desenvolver uma linguagem visual, citando géneros como a natureza morta e a paisagem. O movimento Pictorialista, iniciado em cerca de 1880, defendia que a fotografia artística deveria ter um aspecto pictórico tendo habitualmente resultados com referências formais ao Impressionismo. Em meados do século XX, o fotógrafo Americano Aaron Siskind mostrou a influência de Expressionistas Abstractos como Franz Kline e Robert Motherwell. Nas suas fotografias de padrões e marcas em paredes, Siskind reflectiu o sentido do gesto e abstracção inerentes à pintura. “Overpainted Photographs” (1987-9), o trabalho de Gerhard Richter escolhido pela Photographers’ Gallery para “The Photographic Object”, mostra uma tensão entre textura de tinta e o que, à primeira vista, são fotografias tipicamente turísticas de Itália. Pintou formas abstractas nas fotografias, criando uma sensação de movimento e velocidade a imagens que, de outro modo, seriam estáticas (Arno em Florença ou dois turistas a posar em Veneza, por exemplo). Acrescenta textura a um meio que, à partida, não o transmite – em especial na era digital da fotografia. O mundo pelos olhos de Richter é reminiscente da ideia de Calvino que o que é agora visto como “artificial” é, com efeito, a ideia de um estado real do lugar. A implicação comum é a questão da relação entre verdade e artifício, reprodução e autenticidade, que são questões intrínsecas ao uso da fotografia como meio de representação. De um modo diferente, gesto e forma também estavam presentes na fotografia não-abstracta, em trabalhos de fotógrafos como Louis Faurer, Robert Frank e outros da New York School da década de 50. Contudo, por esta altura, o gesto era já um fenómeno muito explorado no domínio da fotografia – desde os estudos do final do século XIX de Muybridge tanto de animais como de pessoas em movimento (como vimos ser usado por Degas) às preocupações de Cartier-Bresson com a coreografia das pessoas nas suas fotografias de rua. Nos anos 60 e 70, Gary Winogrand, claramente inspirado por Cartier-Bresson e Robert Frank, usou estratégias para fotografar figuras em movimento. As suas lentes grande angulares permitiam-lhe fotografar a figura inteira de uma distância usada normalmente para focar caras, de um modo que dava uma franca liberdade composicional. A escultura e a fotografia também tiveram uma relação criativa desde as primeiras fotografias de Brancusi no seu estúdio aos trabalhos conceptuais e performativos das décadas de 60 e 70 exemplificados por artistas como Richard Long, Keith Arnatt e Victor Burgin. Nos anos 80 muitos artistas produziram uma grande variedade de formas entre a escultura e a fotografia. De lembrar os objectos híbridos, entre a bi e a tridimensionalidade de Helen Chadwick e de Hermione Wiltshire. Trabalhos pioneiros em instalação como o “Ego Geometria Sum” (1982-4) and “Of Mutability” (1986) de Helen Chadwick deixaram um legado. No mesmo período, Christian Boltanski desenvolvia instalações site-specific usando um vocabulário agora comum de objectos encontrados em composições complexas. Na exposição “The Photographic Object”, a série “Lighter” (2006) de Wolfgang Tillmans transforma fotografias impressas em esculturas pelas dobras e criando novas divisões de cor. A escultura e a fotografia encenada estiveram várias vezes relacionadas ao longo da história da arte. Para muitos artistas dos anos 70, esta relação cresceu do uso da fotografia enquanto documento de trabalho tridimensional ou performativo. Fazer trabalho específico para a câmara implica uma mudança radical na fisicalidade do objecto exposto: experienciamo-lo quando já não está lá. Com base na história da pintura, construindo uma imagem por múltiplos fragmentos, fragmentando uma imagem até ao limite da sua identidade enquanto fotografia, usando o gesto como intervenção num espaço ou na própria imagem – estes são apenas alguns dos métodos usados por fotógrafos contemporâneos para comunicar ideias e momentos de mundos reais e imaginados. O que une muitos destes métodos é a percepção do papel da interrupção e do movimento no espaço conceptual da imagem. Luísa Santos NOTA (1) Christa Knellwolf (ed.), The Cambridge History of Literary Criticism, (Cambridge University Press, 2001), p. 94. |