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OPINIÃO


Vista da exposição The Dynamic Eye: Beyond Optical and Kinetic Art, 2023, Atkinson Museum. © Constança Babo


Alexander Calder, Antennae with Red and Blue Dots (1953), Atkinson Museum. © Constança Babo


Mary Martin, Inversions, (1966), Atkinson Museum. © Constança Babo


Harry Kramer, Torso (1962), Atkinson Museum. © Constança Babo


Jean Tinguely, Débricollage (1970), Atkinson Museum. © Constança Babo

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ENTRE ÓTICA E MOVIMENTO, A PARTIR DA COLEÇÃO DA TATE MODERN, NO ATKINSON MUSEUM



CONSTANÇA BABO

2023-12-20




 

 

 

Tal como se podem compor cores, ou formas, também se podem compor movimentos.
Alexander Calder, 1933

 

 

De acordo com Merleau-Ponty (1945), é através da perceção que acedemos ao mundo. Como o filósofo esclarece, trata-se de uma relação tanto física como psicológica com o que nos rodeia, numa conduta do corpo e da inteligência executada através do movimento. Na esfera da arte, embora empregues recorrentemente, os conceitos “imagem em movimento” e “arte em movimento” são difíceis de apreender, sobretudo considerando que remetem para uma imensidade de media e práticas.

Assim se sublinha a importância de exposições tais como The Dynamic Eye: Beyond Optical and Kinetic Art (julho – novembro 2023), no Atkinson Museum do Porto, que apresentou, a partir da coleção da Tate Modern, o vasto campo do movimento e da perceção nas artes, a partir de duas referências basilares, a kinetic art e a op art, estabelecidas nos anos 50 e 60, respetivamente.

No entanto, assinale-se que no início do séc. XX, já se testemunhava a inscrição do movimento na tela e na escultura, seguindo-se a sua transferência para a receção e a experiência. Destaque-se o Cubismo, que também desafiou a perceção visual ao confluir figura e fundo, o Manifesto Futurista e os Construtivistas. Também Marcel Duchamp explorou o movimento e a perceção, como se observa em Anemic Cinema (1926), obra que agora abria a exposição do Atkinson Museum. Do mesmo artista, indico ainda a reconhecida Roue de Bicyclette (1913), frequentemente considerada um primeiro exemplar de arte cinética.

Ora, como esclarece Burnham (1975), a cinética declarou a escultura enquanto “reservatório da atividade artística mecânica do século”. O termo deriva das palavras kineticism e kineticist, cunhadas pelo historiador americano Willoughby Sharp, e a arte que daí emergiu foi, fundamentalmente, não-representativa e sustentada em padrões de tempo real e movimento. Explorou imagens “virtuais” e o movimento das superfícies, atendendo ao olhar e à perceção visual, desígnio que partilhou com a arte ótica.

Sobre esta última, evoluiu enquanto corrente artística com várias vertentes, podendo destacar-se a nova iorquina, com um estilo predominantemente geométrico e colorido, representada no Atkinson Museum a partir do caso da exposição The Responsive Eye, realizada no MOMA, em 1965. A mostra em questão, comissariada por William C. Seitz, desafiou a perceção através de pinturas, relevos e construções concebidos com diferentes técnicas e estratégias de dissimulação da visão. Contou com nomes incontornáveis da op art, tais como Josef Albers e Max Bill.

No caso da arte cinética, é imprescindível referir um dos seus pioneiros, Alexander Calder, do qual se expôs, na recente exposição da coleção da Tate, a magnífica obra Antennae with Red and Blue Dots (1953). Também a mencionar, Jean Tinguely, um dos artistas cinéticos mais conceituados, com uma vasta produção de objetos animados nos quais se conjugam diversos materiais. Um notável exemplar é a peça Débricollage (1970), de metal, plástico, madeira e motor elétrico. Exibido ainda numa sala adjacente aos dois artistas anteriores, Harry Kramer, autor de inúmeras esculturas que aludem ao corpóreo e ao físico, embora de constituição metálica e mecânica, como é o caso de Torso (1962).

Com efeito, os artistas da arte cinética valorizaram e evidenciaram a relação próxima entre a arte e as ciências naturais, considerando, nomeadamente, que o objeto artístico pode ter tanto movimento quanto um ser vivo. Neste sentido, procuraram emular ou mimetizar caraterísticas dos organismos vivos tais como a sequência temporal e a coordenação física e motora. Tome-se, como exemplo, a instalação Cybernetic Sculpture: Square Tops (1969), de Wen-Ying Tsai, composta por metais, um motor, um estroboscópio e uma unidade de controlo áudio. Apresentada numa black box, no Atkinson Museum, as suas figuras, tão mecânicas e geométricas quanto orgânicas, movem-se como que numa coreografia sincronizada mediante a qual as suas sombras se projetam, desafiando a perceção tanto do próprio objeto como do espaço.

Ademais, e tal como expressa o título dessa mesma obra, as dinâmicas criativas e construtivas da arte cinética relacionam-se com o universo da cibernética e dos processos tecnológicos, com robots, dispositivos de inteligência artificial e cyborgs. A corrente artística também se distinguiu, justamente, pelo seu caráter participativo e interativo, instigando a ativação e a intervenção nos objetos, características e possibilidades próprias das artes dos novos media.

Aliás, recentemente, face à inscrição e à afirmação da tecnologia na esfera da arte, tanto o movimento como a ilusão ótica tendem a associar-se às artes digitais e virtuais, o que terá sido reconhecido na exposição do Atkinson Museum e refletido no interessante exercício de relacionar obras da Tate com novos programas tecnológicos. Um dos projetos mais bem-sucedidos foi uma experiência de realidade aumentada [1], desenvolvida através da obra Inversions, de 1966, de Mary Martin. Através de um código QR, no ecrã de dispositivos móveis observava-se as chapas metálicas da instalação a irromper para fora da mesma, unindo-se numa forma uma que se fragmentava e reconstituía, sucessivamente, no espaço.

Em nota final, sublinho que o movimento e a perceção ótica são tão relevantes e centrais na arte do presente quanto o foram no passado, motivando inúmeros artistas das mais diversas expressões, práticas e media. Por conseguinte, trata-se de um campo transversal a todas as artes, embora com uma importante base histórica que determinou a sua emergência e o seu percurso. Poderá, inclusivamente, defender-se que é sobretudo no plano do movimento que a manifestação, a expressão e a ação melhor se concretizam, tanto da obra de arte, como de nós próprios.

 

 


Constança Babo
É doutorada em Arte dos Media e Comunicação pela Universidade Lusófona. Tem como área de investigação as artes dos novos media e a curadoria. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e licenciada em Artes Visuais – Fotografia, pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos. Foi research fellow no projeto internacional Beyond Matter, no Zentrum für Kunst und Medien Karlsruhe, e esteve como investigadora na Tallinn University, no projeto MODINA.

 

 

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Notas

[1] A obra foi assinada por Abel Tavares, Andreia Esteves, Charlotte Crapts, Ellana Santiago, Luiza Martinez, Pedro Santiago e Susana Barreto, e consistiu numa das criações do projeto educativo que colaborou com o Atkinson Museum na ocasião desta exposição.

 

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Referências bibliográficas

Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Éditions Gallimard.
Burnham, J. (1975). Beyond Modern Sculpture. The effects of science and technology on the sculpture of this century (4th ed.). George Braziller.