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OPINIÃO


Nazgol Ansarinia. Residential building with front shops, mosque with courtyard on Sayad highways. Fabrications, 2013. Em colaboração com Roozbeh Elias-Azar. Gesso, resina e tinta.

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NAZGOL ANSARINIA € OS CONTRASTES E AS CONTRADIÇÕES DA VIDA NA TEERÃO CONTEMPORÂNEA



MARIA LIND

2016-08-31




 

Em qualquer volta por Teerão, é-se inevitavelmente confrontado por uma característica urbana que é específica desta metrópole: numerosos murais de larga escala nas laterais dos edifícios. Quer se esteja a viajar num dos muitos viadutos ou se enverede por uma rua pequena, ali estão eles. E tendo em conta os pesados engarrafamentos, acaba-se por passar um tempo considerável a olhar para eles; isto é, quando não se está distraído pela proeminente paisagem ou a tentar apanhar um vislumbre das montanhas do norte nevadas ao estilo postal bonito. Mais especificamente, os murais são muito mais intrigantes do que qualquer placar de anúncio comercial – dos quais há também muitos aqui.

Os primeiros murais que encontrei são retratos realistas enormes: quer sejam mártires da guerra Irão-Iraque dos anos 1980, rodeados de tanques em explosão, helicópteros ou ocasionalmente adoráveis nuvens fofas, ou líderes religiosos com faces solenes. O segundo tipo de mural é um pouco mais peculiar: pinturas em “trompe l’oeil” de grandes buracos cortados nas fachadas para revelar cenas da vida lá dentro, de carros voadores, crianças segurando molhos de balões e flutuando no ar, e pessoas subindo de bicicleta os lados dos edifícios. Mais comum são paisagens idealizadas imaginárias cheias de sol e bonitas vistas verdes. Fantasias arquitectónicas são também prevalentes, referenciando edifícios históricos construídos nos estilos tradicionais persa. Durante uma das minhas visitas a ateliers na capital iraniana encontrei uma versão deste tipo de mural: uma que adiciona um edifício a edifícios já existentes.

A série de pequenas esculturas de Nazgol Ansarinia, “Fabrications” (2013; em colaboração com Roozbeh Elias-Aza), explora os murais das fantasias arquitectónicas no espaço, transformando-os em monumentos em miniatura, com um lado arquitectónico rigoroso ao mesmo tempo que imaginativo. Dependendo de como se aborda as esculturas em gesso e resina impressas em 3D, entra-se em contacto com um dos dois tipos de edifícios, um dos quais é uma visão de como o edifício da pintura na parede seria se fosse efectivamente realizado. Se os monumentos tradicionais tipicamente representam supostos valores e fenómenos permanentes, as maquetes de Ansarinia perpetuam casas vulgares com efeitos visuais temporariamente aplicados, traduzindo a situação esquizofrénica da era actual para muita gente no país. Enquanto à superfície há a ilusão de abertura, de vistas arejadas e céus limpos, a vida diária é restrição, constrangimento, rápida expansão comercial e ar fortemente poluído – este último até ao ponto de haver problemas respiratórios frequentes entre os cidadãos e alguns dias em que aquelas montanhas cobertas de neve são completamente obscurecidas da vista.

Como o artista referiu, a mudança para as paisagens imaginárias nos murais da cidade começou no início dos anos 2000, à medida que o novo desenvolvimento acelerou e a intensa construção começou a fazer diminuir o espaço público. Mesmo hoje, o número de gruas é impressionante (os centros comerciais parecem ser especialmente populares entre os projectistas e os constructores). Por outras palavras, a ilusão de acesso a paisagens abertas e a ar limpo em Teerão emergiu num momento em que as oportunidades para experienciar precisamente essas coisas estavam a diminuir rapidamente. Esta era também a época em que a existência diária em geral se tornou mais severa e mais restricta devido às sanções internacionais impostas ao Irão pela sua recusa em suspender um programa de urânio enriquecido.

Desde 2004, mais de 800 murais foram encomendados pelo Gabinete de Embelezamento de Teerão, uma escala de produção que pode ser comparada com a Rússia imediatamente após a revolução. Mas as pinturas murais de Teerão andam aqui há muito mais tempo que isso, com a iconografia de diferentes regimes a colonizar fachadas completas nos últimos 50 anos, no princípio as partes baixas das casas e, subsequentemente, depois da revolução islâmica, subindo até cima. Esta tentativa de embelezar uma cidade cuja população metropolitana atinge os 16 milhões, tem sido bem sucedida entre os habitantes – de acordo com um inquérito recente, apenas 5 por cento aprova agora os ainda prevalente murais propagandistas, preferindo antes a quantidade cada vez maior de paisagens imaginárias.

Ansarinia bem pode comentar que as bonitas paisagens imaginárias e os edifícios nostálgicos são tão ou mais ideológicas que a propaganda flagrante das figuras militares ou religiosas. Michel Foucault relembra-nos que o verdadeiro poder se disfarça sempre, fazendo o aparentemente neutro e “normal” imperar. “Fabrications” insiste em actualizar o encontro entre o existente e o virtual, parecendo estranhos brinquedos sem cor, quebrando a superfície escorregadia da normalidade e incorporando os contrastes claros e as abundantes contradições tão palpáveis em Teerão hoje. [Versão portuguesa do original inglês publicado na ArtReview, edição Verão 2016]

 

Maria Lind