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OPINIÃO


João Azinheiro.


Vista da exposição de Pedro Vaz.


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Vista da exposição de Salomé Lamas, Parafacts.


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Vista da exposição de Sérgio Fernandes.


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GALERISTAS EM EMERGÊNCIA - ENTREVISTA A JOÃO AZINHEIRO



CONSTANÇA BABO

2020-05-01




 

 

Face ao atual panorama global, pautado por restrições e confinamentos, o mundo está colocado em suspenso. A esfera cultural, tal como as restantes, sofre com o que se prevê resultar numa profunda crise que já se manifesta. As galerias fecham as suas portas até data indeterminada, as exposições são prematuramente encerradas, as inaugurações canceladas e a maior parte dos restantes projetos artísticos foram interrompidos.
Porém, perante este cenário de emergência, surgem, em resposta, novas e inovadoras iniciativas culturais na esfera virtual. O espaço online já vinha, nas últimas décadas, a conquistar espaço no contexto artístico, mas vê-se, agora, vivamente impulsionado em consequência das excepcionais circunstâncias. O digital afirma, assim, o seu lugar de protagonismo com dimensão, visibilidade e importância ímpares. 
A urgência de não cessar a produção artística é, de facto, absoluta, até porque, como já se viu ao longo da história, a arte não pára. Aliás, já no passado se verificou como cenários de catástrofe constituem fortes motivações para o desenvolvimento artístico. Simultaneamente, enquanto espectadores e cidadãos, também colocados em suspenso, necessitamos da arte mais do que nunca.

No sentido de conhecer as perspetivas que os agentes culturais têm desta nova atualidade, decidiu-se colocar algumas questões ao galerista João Azinheiro. Esta escolha recai no facto de que o fundador da Kubikgallery, com sede no Porto e com presença frequente em São Paulo, tem marcado presença sucessiva em feiras de arte e feito parcerias com várias galerias e instituições. Acresce ainda, e sobretudo, que representa artistas de importância nacional e internacional, grande parte destes jovens portugueses cuja frágil situação profissional muito se agrava perante as atuais circunstâncias. 

 

Por Constança Babo

 


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CB: João, a situação em que hoje nos encontramos, podendo entender-se que não irrompeu inesperadamente, instalou-se porém a uma velocidade galopante, impedindo uma preparação para a mesma. A Kubikgallery tinha em exibição uma mostra de Salomé Lamas, que decorreria até 28 de março, e iria inaugurar uma nova exposição no presente mês de abril.
Perante o fecho antecipado, como se reajusta a programação que já estava delineada e qual a estratégia adoptada para estas semanas? 

JA: O início de Março ficou marcado pelo diário e permanente acompanhamento da evolução do surto de covid-19, estava então a decorrer o início da exposição de Salomé Lamas - Parafacts com a curadoria de Sérgio Mah. O investimento da galeria foi, face à nossa dimensão, considerável. Tínhamos terminado recentemente uma remodelação do espaço para criar condições de acolhimento deste trabalho que exigia a transformação do espaço convencional da galeria. A Salomé acabava de entrar no grupo de artistas que representamos. Tínhamos ainda em Março/Abril  a apresentação do filme, Extraction: the raft of the medusa e lançamento do Livro no Passos Manuel. 
Iríamos dia 19 para São Paulo, onde eu estava a organizar uma exposição coletiva com mais seis galeria brasileiras. Levaríamos sete artistas, na maioria portugueses e na semana em que foi declarada a pandemia foi necessário repensar tudo. As ideias foram sendo alteradas face ao cenário catastrófico vivido em países como Itália ou Espanha. 
Antevendo o fecho da galeria, decidimos disponibilizar os filmes da Salomé no nosso canal Vimeo por forma a dar oportunidade a quem não conseguiu visitar a exposição. Tenho algumas reservas em relação às visitas virtuais de certas exposições mas, neste momento, é uma alternativa a que temos que recorrer. Claro que alguns artistas correm o risco de sofrer mais do que outros com esta adaptação por motivos óbvios. É impossível habitarmos uma casa virtualmente, mas não é impossível que isso alimente o desejo de a visitar. 
Perante o que aconteceu, tivemos que reajustar a programação até  por questões logísticas que vão além do distanciamento imposto, como o transporte internacional de obras. A Manoela Medeiros, por exemplo, está neste momento no Rio de Janeiro e teria a sua primeira exposição individual em Portugal. Houve uma profunda reestruturação dado o estado de emergência. No entanto não podemos parar, temos que ajustar a programação isto que passa pela seleção dos artistas e obras a apresentar, com a incerteza de como e quando reabrimos ao público.

 

CB: Sei, também, que irias marcar presença em feiras de arte, nomeadamente na ARCO Lisboa que já foi cancelada sem anúncio de nova data. Pergunto-te se já houve um investimento por parte dos galeristas que agora lhes seja prejudicial? Consideras eficazes as medidas tomadas pelas organizações, nomeadamente a possibilidade de algumas feiras se virem a concretizar a portas fechadas somente para agentes culturais?

JA: Entre Abril e Maio iriamos participar em três feiras internacionais, muito importantes para os nossos artistas. A já mencionada em São Paulo no início de Abril, a ArtBrussels no final de Abril e a Arco Lisboa em Maio. O investimento estava praticamente todo feito em Março: voos, estadias, transportes de obras e o pagamento das feiras, algumas já pagas por completo e outras a tempo de cancelar. O que também é preocupante, além do nosso investimento, é o reflexo disto nos artistas. O que nós sofremos agora com os cancelamentos, reflete-se num futuro próximo na quebra de vendas e é pela internacionalização dos artistas que fazemos estes investimentos.
Não falo só de vendas, mas também da oportunidade única de promoção de contactos e projetos futuros. Este nosso discreto trabalho é muitas vezes pouco valorizado pelos agentes culturais. As galerias de arte têm um papel fundamental no tecido artístico e há galerias muito profissionais em Portugal e que fazem "pequenos milagres" pela defesa dos seus artistas. Somos das poucas entidades culturais que não vivem de subsídios. Trabalhamos com investimento pessoal (nem sempre possível) e estamos em contextos internacionais lado a lado com enormes potências da Arte Contemporânea. Creio que poucas pessoas tem verdadeira consciência da loucura e responsabilidade  que isso implica. Conseguimos elevar os nossos artistas a patamares de excelência internacional e isso só acontece porque temos artistas com uma qualidade irrepreensível e com a mesma “loucura” dos galeristas que os representam. Com as dificuldades inerentes à sua carreira, nem todos sobrevivem a este desgaste constante a todos os níveis.
Se a política reconhece que a Cultura é fundamental para o país, vamos pensar na sua reestruturação. Não em “pensos rápidos” para a sobrevivência mas numa articulação clara entre fundações, museus, colecionadores e Ministério da Cultura. Não podemos, claro, comparar-nos, por exemplo, com a Alemanha, somos diferentes economicamente. No entanto temos vantagens em ser pequenos se nos unirmos e acreditarmos na qualidade dos nossos artistas. Gostava que esta pandemia obrigasse, de facto, a uma reorganização cultural, com princípios claros, responsáveis e responsabilizadores. Há cada vez mais associações culturais que dependem só da ajuda do Estado. Que alternativas haverá para a cultura de esta ajuda para algo tão complexo não tem sido sustentável? De que forma podem nascer mais alternativas ao concurso e à subsídio dependência?
A política Cultural tem que ser mais abrangente e universal.

 

CB: Sobre o contexto global, nacional e internacional, em teu entender quais serão as repercussões do abrandamento da produção cultural, tanto para os museus e grandes instituições como para as pequenas e médias galerias, principalmente ao nível do mercado? Qual será a dimensão do impacto desta crise nas artes e nos artistas, a curto e a longo prazo?

JA: Ainda estamos no "meio do tufão" e temos esperança de que venha a abrandar, mas parece-me certo que curto prazo vai haver uma retração. A sociedade está, e bem, preocupada com a saúde e sobrevivência, focada em reaprender a viver. A disponibilidade de cada um de nós para regressar a uma “nova normalidade” terá, naturalmente, um tempo próprio. A retração na aquisição de obras é uma realidade já sentida. As instituições e o estado têm, pelo menos num primeiro momento e de forma cirúrgica, um papel fundamental para a sobrevivência das galerias e associações culturais que representam o tecido artístico Português. Acredito na possibilidade de minorar estas quebras acentuadas de receitas. Terá que existir uma estratégia nacional e terão que ser ouvidos os intervenientes. Temos vivido picos de outras naturezas, sejam elas económicas ou políticas e a arte em Portugal, bem como sua representação além fronteiras, sofre sempre. E nesta crise, como não podia deixar de ser, a arte tem sido fundamental na vida confinada e isolada de cada país.

 

CB: Por fim, quão valioso é, agora, o apoio aos artistas, tanto por parte das instituições e dos colecionadores como da imprensa, nomeadamente da crítica de arte? E, quanto ao público, que perdeu poder de compra, haverá forma de contribuir para que as galerias e os artistas continuem o seu percurso?

JA: É em momentos como este que se confirma o quão frágil somos. Os museus, as coleções, os curadores, as galerias,  as leiloeiras, as escolas de arte, o teatro, e os restantes, existem porque há artistas e a criação é uma necessidade inequívoca da sociedade. É por isso fundamental uma rede de apoios. 
Enquanto galerista tudo farei para que os artistas que represento tenham a dignidade que merecem. São e serão tempos difíceis mas faz parte do nosso trabalho alertar colecionadores, instituições e responsáveis políticos para que os artistas passem por esta tempestade com menos danos. Mais uma vez, é necessário sensibilizar as pessoas para que a compra não seja considerada um luxo, para que os impostos que recaem sobre as aquisições sejam mais justos e para que o impulso do estado e das instituições seja real. Ajudar o nosso tecido artístico é enaltecer a importância da nossa sociedade.