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NÃO SÓ ALGUNS SÃO CHAMADOS MAS TODA A GENTEPAULA JANUÁRIO2010-11-08Sobre “Delicious”, exposição individual de Sara & André na galeria 3+1 ARTE CONTEMPORANEA, em Lisboa (24 OUT - 6 NOV 2010). Rever o trabalho de Sara & André e sua recepção lembra-nos que estamos todos redondamente de acordo com, e acerca deles. Abraham Lincoln ficou famoso por ter dito que “you can fool some of the people all of the time, you can fool all of the people some of the time, but you can’t fool all of the people all of the time”. Andamos todos enganados? Andamos: Abraham Lincon não disse isso. Quem o disse foi o director de circo de nome Barum, seu amigo. Não por acaso, alguém habituado a tornar o que é em coisa diferente, ou evoluir inesperadamente. “Delicious” é a exposição em mostra na Galeria 3+1 e tem truque. Pergunta. A resposta é individual. A “fama” de Sara (Lisboa 1980) & André (1979) fez-se notar pela primeira vez nas Caldas da Rainha, em 2005, já na exposição de Licenciatura em Artes Plásticas, na Escola Superior de Arte e Design. Aí transformaram-se Sara & André já em glória: a peça apresentada foi a primeira duma série de performances (1) nas quais Sara & André visitaram espaços públicos rodeados de pessoas equipadas com câmaras de registo de som e imagem, com o qual pretenderam ser fãs e repórteres em histeria a perseguir duas pretensas estrelas. A forma como imediatamente nessa primeira exposição André entra transfigurado em Sara & André, a acelerar, ultrapassar e distanciar-se dos receios de início de carreira dos seus colegas, rodeado de glamour é seminal na atitude artística que a dupla desenvolveu desde então. Essa performance, como outras subsequentes, insere-se num corpo de trabalho com uma abrangência mais ampla: a série “Claim to fame” (2004, em desenvolvimento). Compreende – para além do trabalho performativo, fotográfico e videográfico – uma pesquisa nas fontes de produção de teoria de arte e cultura contemporânea que direcciona a sua prática artística mas que, para além disso, a integra fisicamente (2). Apresentaram repetidamente selecções de textos de produtores de pensamento contemporâneo. As proveniências são diversas: cineastas, músicos, artistas, filósofos, sociólogos, ou excertos indiferenciados de revistas de arte contemporânea. Por exemplo – respectivamente – Tarkovsky, Neil Young, Jeff Koons, Roland Barthes, Michael Foucault ou a revista Parkett. O seu conjunto cobre uma área extensa de preocupações. Desde as condições de existência da obra de arte ante as possibilidades de cruzamento de meios, temas, suportes na actualidade; o papel, expectativas, estatuto, missão do artista contemporâneo; os mecanismos e dinâmicas institucionais de recepção, reconhecimento, valoração, catalogação ambos de artistas e obras de arte. A relevância da inclusão desta pesquisa na totalidade da sua obra reside no seu papel estaminal e legitimador para a formação da sua atitude. As suas acções passam, depois desse ponto de partida, irreversivelmente a ser lidas numa grelha auto-consciente e auto-reflexiva. Mais, fornece-lhe um cunho a cronológico. É como se a compilação teórica que apresentam fosse uma recepção atemporal ao trabalho que fazem, aplicando o mesmo quadro de autodeterminação que usam em tudo o resto. A proposta apresentada na exposição “Delicious” é, no imediato visual, bastante distinta de mostras anteriores da dupla. O interior da galeria 3+1 Arte Contemporânea lembra um pouco um booth editorial duma feira de arte. Há latente uma orientação informativa. Os diversos painéis coloridos não se distinguem significativamente dum outro registo fotográfico, contudo a associação da sua não emolduração à inscrição dum URL na base de cada imagem passa a atribuir-lhe uma função ilustrativa. “Delicious”, o título da mostra, é também o nome dum web site onde cada pessoa pode listar os seus sites favoritos. A partir daqui se alarga o que é feito nesta exposição. Este trabalho é sobre a presença da dupla na internet. Aquilo que a Galeria 3+1 mostra é a face superficial dum projecto mais extenso que evoluiu de “Claim to fame”, desta feita “Claim to fame online”, sediado na world wide web. O tronco “Claim to fame” desde sempre integrou a análise da “cultura da celebridade que define o mundo da arte contemporânea, inquietantemente subordinado aos ditames do espectáculo característico da lógica cultural do regime capitalista pós-industrial” (3). Anteriormente, com “Fundação Sara & André” (4) ancoraram-se no exterior da autoria individual e interior do sistema artístico onde operam, enformando o novo ramo que alguns autores como Claire Doherty e Jörg Heiser (5) têm atribuído à site especificidade da obra de arte: aquele que se pode identificar direccionando a atenção para todo o complexo sócio-institucional momentâneo que envolve a produção artística. A função latente foi dupla. Avançando a partir da sua própria legitimidade como artistas, pôr a descoberto as contradições do sistema mas também mas também da sua própria prática artística: fizeram-se lembrar na sua incapacidade autoral revisitando Benjamin, Barthes e Eco. “Claim to fame online” prossegue o trajecto no qual revêem os mecanismos da afirmação e fama na arte contemporânea, expandindo a sua acção para onde a procura da popularidade é expansível. Mesmo se esta pode ser vazia de relevância, como acontece com muitos dos conteúdos populares na internet. “Claim to fame online” consiste genericamente na pulverização da sua presença na internet ou na investigação de referências a si próprios. O material apresentado na Galeria 3+1 Arte Contemporânea em Lisboa refere-se às entradas da dupla em diversos sites. A natureza deles é indiferenciada. A maioria são sites de entretenimento e curiosidades ou redes sociais. Contudo prevalece a prestação privada e individual frente a uma audiência colectiva. Para face your pockets (.com) podem ser enviadas imagens do conteúdo de bolsos e malas registados em scann. Bed jump hotel publicita hotéis e publica imagens de pessoas a saltar em cima de camas em hotéis de todo o mundo. Outra participação aproveita o comercial da Mercedes Benz que afirma que ninguém quer posar com a sua torradeira. O conteúdo de pose with your toaster (.com) restringe-se a pessoas a posar com a sua torradeira. Para além destes sites, inscreveram-se também em redes sociais. Generalistas como o facebook, ou mais especializadas, por exemplo em música, como o myspace. Apesar de alguns dos sites serem geridos por artistas, Sara & André não tencionaram inscrever-se no mundo virtual de circulação de arte contemporânea. O único site envolvido é o portal de arte contemporânea Artfacts.Net. E não por acaso: parte da sua oferta consiste na tradução estatística da actividade de artistas, galerias e museus que permita uma leitura clara do seu desenvolvimento a interessados em investimento financeiro em arte. Sara & André fazem uma actualização dos quinze minutos de fama de Andy Warhol, que não perderam actualidade. Apenas foram atribuídos democrática e generosamente à população mundial e têm um nome – curiosamente o mesmo que Thomas L. Friedman deu ao que chama o quarto aplanador do mundo (6): o upload. A internet é um instrumento de publicação de conteúdos forte exactamente na dissolução progressiva da edição e hierarquização em áreas cada vez mais amplas. Sara & André desenrolam o desafio a formas culturais passivas e hierarquizadas, associado ao comentário a aspectos da economia cultural, sobretudo à forma como a arte contemporânea passou a utilizar ferramentas visuais e de comunicação próprias do comércio. A peça apresentada em Janeiro de 2010 no Espaço ao Cubo em Lisboa consistia em panfletos publicitários com design característico da publicidade de grandes superfícies comerciais. Neles, peças anteriores suas, sobretudo “quadros” eram tratadas como mercadoria em promoção e com facilidades de entrega. Contudo os maços eles mesmos eram colocados em cima dum plinto, num white cube. Se colocarmos a ênfase na biografia do artista conforme sua própria sugestão somos lembrados de alguma ambivalência, ainda que auto-consciente. O que Sara & André deixam em aberto é exactamente, mais do que o lugar de discordar, o de não concordar. Trabalham de dentro e com o próprio sistema e sociedade que enforma os seus temas. Mas a sua prática artística avança elementos que escangalham a sequência e hierarquia lógicas de eventos e atribuições, verdade quer para os sujeitos envolvidos na prática artística, quer para o objecto artístico ele mesmo. Comportam-se como se não existissem critérios e expectativas baseadas em regras e em justiça, e os diversos agentes envolvidos nas diferentes frentes da arte contemporânea funcionassem suspensos no caos das leis do mais descarado descomprometimento. Eventualmente aquele tornado possível com o conjunto dos aplanadores do mundo listados por Thomas L. Friedman, que incluem a queda do muro de Berlim, o informing e o offshoring: o que alguns defendem ser a formação do pensamento e acção não doutrinados, novos e individuais. Tal como em start3d (.com), também catalogado em “Delicious”, são necessárias várias imagens para desenhar uma perspectiva. Precisamente agora é difícil decidir uma. Estão de pernas para o ar: simultaneamente a esta exposição, inauguram, comissariados pela galeria Rosalux (Berlin based art office) e por Tiny Domingos no Inflight ARI, em Hobart, Austrália. Algumas coisas estão, seis séculos depois dos Medici e de Florença, a redefinir-se na arte. Paula Januário NOTAS (1) A performance referida é um dos modelos de performance da dupla e repetiu-se, até 2009, duas vezes – em 2006 num parque público da cidade de Lisboa: “Sara & André passeiam no parque”, e em 2007 no aeroporto Sá Carneiro, Porto: “Sara & André chegam ao Porto”. (2) Por exemplo como fotografia de textos, ou folhas A4 dactilografadas, sublinhadas e emolduradas, conforme foram mostradas, respectivamente, no Porto em 2007 no espaço PÊSSEGOpráSEMANA, ou em Lisboa na exposição individual da Galeria 3+1 (“Peça Breviário do Quotidiano # 10 de Ana Perez Quiróga, para Fundação Sara & André”), em 2008. (3) Amado, Miguel – Claim to Fame (cat.). Lisboa: Fundação PLMJ, 2010. (4) Projecto formalmente apresentado inicialmente no espaço PÊSSEGOpráSEMANA, no Porto (Fevereiro de 2007) e uma segunda vez em Lisboa, (Março de 2007) na exposição “Trabalhar Cansa” na Arte Contempo. Trata-se da aquisição progressiva de obras encomendadas a outros artistas que vão sendo apresentadas em diversas ocasiões. Por exemplo RosaLux, Berlim: exposição “Lattest Aquisiton: Ramiro Guerreiro”; Galeria 3+1 Lisboa: exposição Sara & André, apresentaram obras de 6 artistas representados pela galeria: Ana Pérez Quiroga, André Trindade, Pauliana Valente Pimentel, Pedro Kaliambai, Susana Guardado e Yonamine. Espaço Avenida, Lisboa: Exposição “13”, apresentaram um contrato relativo às especificações e direitos de autor para a peça “Paragraphs for a Sound Dispute”, feita em colaboração com Bruno Duarte. (5) Ver Doherty, Clair – Contemporary Art: From Studio to Situation. Londres: Black Dog Publishing, 2004 e Heiser, Jörg, All of a Sudden: Things that Matter in Contemporary Art. Berlim e Nova Iorque: Sternberg Press, 2008. (6) Friedman, Thomas L. – The world is flat. Londres: Pinguin Books, 2005. |