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OPINIÃO


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2006-09-18
IMAGENS DA FOTOGRAFIA

INÊS MOREIRA

2006-09-04
ELLIPSE FOUNDATION - NOTAS SOBRE O ART CENTRE

MARCELO FELIX

2006-08-17
BAS JAN ADER, TRINTA ANOS SOBRE O ÚLTIMO TRAJECTO

JORGE DIAS

2006-08-01
UM PERCURSO POR SEGUIR

SÍLVIA GUERRA

2006-07-14
A MOLDURA DO CINEASTA

AIDA CASTRO

2006-06-30
BIO-MUSEU: UMA CONDIÇÃO, NO MÍNIMO, TRIPLOMÓRFICA

COLECTIVO*

2006-06-14
NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

LÍGIA AFONSO

2006-05-17
VICTOR PALLA (1922 - 2006)

JOÃO SILVÉRIO

2006-04-12
VIENA, 22 a 26 de Março de 2006


ARTE PÚBLICA: UM VÍCIO PRIVADO



PEDRO PORTUGAL

2010-09-22




Em 1889, Camillo Sitte publica em Viena um panfleto intitulado “O planeamento da cidade de acordo com princípios artísticos”. Defende a ideia de que a cidade não é um entidade artística per se, afirmando que as ruas, os bairros, as avenidas, os jardins e as praças deveriam ser desenhados para servir a comunicação e não a arte. Dizia ele que, uma rua ou uma praça podem ser só por si uma obra artística da maior importância e que o artista só precisa de algumas ruas e praças para as suas propostas, entregando o resto de bom grado ao tráfego e às necessidades materiais da cidade. (1)

A “Piazza del Campo” em Siena nunca terá uma estátua no meio porque acabava o Palio, a maior atracção da cidade. A maior praça do mundo, o Zocalo na Cidade do México, não tem mais do que um mastro no centro com a bandeira do México.
Porque é que a arte designada como “Arte Pública” passou a ser um assunto que as cidades têm que enfrentar e gerir como todas as outras afrontas, ataques, desígnios, vontades e negócios — que são a fábrica da própria cidade?

As praças nas cidades não carecem de uma estátua ou de um monumento. As praças foram feitas para o uso do povo e as estátuas ou monumentos devem ser usados como marcações de orientação e não como celebração do estado ou de efemérides administrativas. (2)

Em Portugal, uma praça, rotunda, jardim ou beco sem uma merda qualquer no meio a assinalar ou comemorar uma merda qualquer é praticamente impossível de encontrar (esta escassez chegou à toponímia por haver cada vez menos ruas, praças, largos e becos para atribuir a um cada vez maior número de cidadãos a celebrar).

E se não puséssemos mais estátuas e monumentos em praças e rotundas? Se a toponímia e os desejos de auto-celebração dos artistas e propaganda dos políticos se ficasse por acções efémeras e registos invisíveis no facies da cidade? O vazio é bom e serve o povo. As estátuas invadem a Ágora (espaço aberto) e destroem a Demopolis (a cidade que pertence ao povo sem imposição de mitos, parábolas ou heróis).

Os monumentos de cada cidade são herdados por cada geração como a ascese das realizações dos seus antepassados. Não são, no entanto, uma “oferta grátis da história”, mas uma dívida que temos de pagar com mais acumulação de monumentos...
As cidades desenhadas ou sonhadas por arquitectos reflectem maioritariamente a psicologia agressiva masculina de revolta contra os princípios femininos da dependência e da natureza.

A existência da “arte pública” tem uma origem (e equívoco) fácil de explicar: Cosimo e Bernini fizeram as suas mais extraordinárias obras para reis e príncipes: festas com batalhas navais nos pátios dos palácios e bolos gigantes de onde saíam homens e feras. Filipe II só abria os volantes do Jardim da Delícias nas paródias com os amigos e o Rei de Nápoles fazia pirâmides de 15 metros com animais mortos. E foi assim até à Revolução Francesa. A maioria das obras de arte produzidas pelos artistas só foi vista pelos poderosos — a arte sempre foi caríssima.
O Louvre é a primeira exposição de arte pública e os museus são a partir daí as gaiolas onde se faz a contenção do artístico.

O que acontece é que actualmente os museus chegaram à cota máxima de ocupação dos seus depósitos — falta espaço físico e funcional. Não há mais espaço para acumular, tratar e estudar as coisas produzidas por sucessivas gerações de artistas, coisas que são designadas arte numa época e ainda todas as outras coisas que são guardadas pelo sim e pelo não. (3)

É preciso não esquecer que o Museu foi inventado como instrumento de orgulho nacionalista e como máquina de guerra imperialista. É ingenuidade ignorar esta última dimensão: os primeiros museus eram pretexto para espionagem e pilhagem. Ora, a ruptura acontece precisamente quando os Museus passam a ser a coisa mais importante numa cidade. São as construções não militares mais caras do planeta, situam-se nos melhores terrenos do centro das cidades e a sua importância económica é demonstrada pelo facto de ocuparem com 3 pisos, lotes com possibilidade de construção vinte vezes superior.

Então, se os museus estão a transbordar; se há cada vez mais artistas; se aumenta o número de agentes interessados no negócio da arte... onde é que os milhares de novos coleccionadores que surgem anualmente, expõem, validam, valorizam e justificam as suas aquisições (boas, más ou péssimas) se não existem museus ou instituições que consigam guardar toda esta matéria histórica?… A resposta só pode ser: fora dos museus, ou seja, na RUA!
NO MEIO DA RUA! Sem pudor, contenção ou controlo. (4)

Muitas cidades capitularam a esta falsa carência, ou por falta de regras ou por ausência de estratégia. A regulamentação das intervenções públicas de artistas (organizadas pelos próprios ou por agentes) tem que obedecer a normas suficientemente limitadoras dos impulsos de distúrbio da face da cidade. Que diga: “ALI NÃO!” “ALI SIM… mas com consulta pública”. (5)


- A arte pública não é um factor de dinamismo e de desenvolvimento das cidades.
- A arte pública não é uma manifestação interpeladora da sociedade.
- A arte pública não é um agente de afirmação, defesa e divulgação dos grandes valores contemporâneos e cosmopolitas.
- A arte pública não é um contributo insubstituível ao conhecimento da diversidade criadora.
- A arte pública não é uma afirmação da liberdade crítica.
- A arte pública não é um atributo na competitividade do território.
- A arte pública não coloca países e cidades no mapa da arte contemporânea internacional.
- A arte pública não traz benefícios no prestígio cultural e na competitividade económica.
- A arte pública não faz aumentar o turismo cultural.


Pedro Portugal



NOTAS

(1) Esta ideia de cidade é fácil de compreender se olharmos para a zona de Lisboa em que o general Saldanha aponta para o Marquês de Pombal que olha para o fim da avenida onde está o menir dos Restauradores que diz para ir para a grande praça onde está uma estátua de um rei em cima de um cavalo orientados para o rio.

(2) Lenine quis muitos monumentos que imortalizassem o Socialismo e os vultos que o inspiraram. Em Abril de 1918 queixa-se, irado, ao seu ministro da propaganda Lunacharsky da lentidão dos artistas e decreta que estes só receberiam dinheiro se as obras estivessem prontas em Outubro, para o primeiro ano da Revolução...

(3) O exemplo das obras de Richard Serra é notório: dentro dos Museus são veneradas, fora deles são apedrejadas. E é como deve ser. A arte deve ser mantida o mais possível dentro dos museus que são os sítios onde a arte “normalmente” está e onde o povo aceita as perversões que os artistas naturalmente e inevitavelmente produzem.

(4) O napron na Torre de Belém é um ultraje cultural, uma sodomia histórica e uma traição formal.

(5) Como assessor para a cultura do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, propus em 2008, a criação de um “campo de concentração” de esculturas e monumentos. Na altura achei que a ideia não recebeu atenção entusiástica...