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OPINIÃO


Manuel Baptista, © Vasco Célio


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TERRITÓRIOS INVISÍVEIS € EXPOSIÇÃO DE MANUEL BAPTISTA



MIRIAN TAVARES

2023-04-25




 

 


Esta foi a última exposição que o artista acompanhou desde a sua concepção ao resultado final. Já não viu o catálogo, que tardou em sair. Manuel Baptista morreu repentinamente, no princípio da primavera. Partiu antes de acabarmos o trabalho de inventariação de uma obra imensa, fruto do artista incansável e exigente que sempre foi.

 

 

Manuel Baptista, © Vasco Célio

 

 

 

O milagre da arte é o que está entre o olho e o objecto, que é a percepção do artista.
(...). Acho que a infância de uma pessoa é a sua pátria.
A sombra que eu projecto acompanhar-me-á toda a vida.
Para mim, a pátria não é um território, nem uma fronteira, nem uma bandeira.
É uma ideia, é um ponto de vista. Vai além de uma questão geográfica.

Alejandro González Iñárritu

 

 

O que define um território? Fronteiras, topografia, marcos? Há territórios efetivos, afetivos e também ficcionais. É o caso das famosas terras criadas pelo escritor argentino Jorge Luís Borges: Tlön, Uqbar, Orbis Tertius. No conto com este nome, Borges fala de territórios da memória, ou da memória de territórios, mesmo daqueles que nunca existiram: “(…) Agora tinha nas mãos um vasto fragmento metódico da história total de um planeta desconhecido, com suas arquiteturas e seus debates, com o pavor de suas mitologias e o rumor de suas línguas, com seus imperadores e seus mares, com seus minerais e seus pássaros e seus peixes, com sua álgebra e sue fogo, com sua controvérsia teológica e metafísica.” O texto escrito sempre foi um espaço de pródigas invenções, em que planetas inteiros vieram à luz, em que cosmologias se compuseram. Nas artes plásticas, as invenções são mais contidas – uma imagem é mais imediatamente apreensível, sobretudo quando é figurativa, mimética.

O território pintado ou desenhado é mais evidente porque se torna visível. Os territórios de Manuel Baptista, ao contrário, negam a visibilidade e o reconhecimento imediato ao público. Somos confrontados com linhas, curvas, sombras e espaços vazios que podem ser traduzidos como linhas, curvas, espaço vazios – por quem não tem a capacidade de acompanhar o rasto do gesto do artista que fica impresso no papel. Os territórios estão lá. Talvez apenas um território, o Algarve, ou muitos territórios que não são representações de espaços reais, mas visões do artista. Como disse o cineasta Inãrritu, “O milagre da arte é o que está entre o olho e o objecto, que é a percepção do artista.” O milagre dos desenhos apresentados na exposição patente na Fortaleza de Sagres “Territórios Invisíveis”, de Manuel Baptista, está exatamente naquilo que não nos é permitido ver, nas zonas encobertas, nos traços que nos faltam para definir, de forma clara, uma fronteira, um marco, um território plenamente reconhecível.

 

Manuel Baptista, © Vasco Célio

 

Os desenhos aqui expostos fazem parte de diferentes séries e foram trabalhados também em diferentes temporalidades. No entanto, todos surgem do labor de um artista inquieto que não cessa de fazer experiências, de preencher papeis com esboços, ideias, de fazer e de refazer projetos: a mão do artista não para, desliza na superfície criando formas, sugerindo imagens, plasmando sombras. A sua obra, e sobretudo os seus desenhos, podem ser caracterizados pela ideia de desconstrução e de recomposição das superfícies. O território é sempre aludido, nunca explicitado. Entrevemos montanhas ao longe, falésias, curvas e acidentes geográficos. Pode afirmar-se que os seus desenhos criam uma caligrafia própria e que, com essa caligrafia, o artista projeta mapas, países, territórios da memória que se confundem com o território que habita mais frequentemente e que nele habita, mesmo quando não está nele – o Algarve.

O invisível não é o mesmo que o inexistente – está lá, mas não se dá a ver. A grande mestria de Manuel Baptista é deixar entrever, mesmo sem desvelar, o território mais recôndito do gesto artístico, daquele gesto único e irrepetível que plasma no papel universos, que insinua, com os traços ora robustos, ora delicados, muito mais que um território limitado por marcos e fronteiras. O artista, através dos seus desenhos, dá-nos a ver um mundo.

 

 

Mirian Tavares
Coordenadora do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) e Professora Associada da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade do Algarve. Diretora do Doutoramento em Média-Arte Digital e vice-presidente da Associação Internacional de Arte Computacional – ARTECH-Int. Membro da equipa de curadores da Rede Portuguesa de Arte Contemporânea e Diretora da Rotura – Revista de Comunicação, Cultura e Artes. Coordenou e participou em projetos científicos, conferências nacionais e internacionais, escreveu livros, artigos publicados em revistas de referência e textos e catálogos artísticos.

 

 

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Exposição Território Invisíveis, de Manuel Baptista
Centro de Arte Contemporânea da Fortaleza de Sagres
13 Novembro 2022 - 16 de abril 2023