CARLOS BUNGA: SOMETHING NECESSARY AND USEFUL

VERA MATIAS

2020-03-05

Noções de efémero e transitório parecem ser palavras de ordem nas práticas artísticas contemporâneas. Museus e galerias têm acolhido práticas que, por si mesmas e pelo modo como operam, trazem consigo questões sobre temporalidade, como é o caso da performance ou do happening. Este tipo de práticas, de natureza temporária, contraria o eterno comprometimento dos museus para com a preservação.

Em Something Necessary and Useful, instalação site-specific comissionada pela Whitechapel Gallery, Carlos Bunga traz-nos precisamente esta ideia da condição transitória da performance — e da existência —, através de um meio pouco usual.

Ao entrar na galeria, de altura considerável e aparentemente labiríntica, somos convidados a mover-nos pelas múltiplas reentrâncias do espaço. Num primeiro momento, parece que entramos numa sala vazia de arquitectura pouco convencional, até que nos apercebemos que parte do dispositivo que nos envolve — quase cenográfico, diria — é, afinal, feito de cartão. É esta a intervenção de Carlos Bunga: uma instalação monumental, construída de cartão e fita-cola deixados à vista, apenas um dos lados pintado a tinta de parede e com pouco — ou quase nenhum — remate ou acabamento. Esta obra estabelece-se, então, enquanto continuidade da galeria: inicialmente torna-se mesmo imperceptível a diferença entre as colunas estruturais do edifício e as criadas por Bunga. Deste modo, obra e espaço entram num diálogo quase simbiótico, criando uma espécie de jogo de surpresas que parece ser profundamente intencional: de facto, a utilização de um material frágil e instável como o cartão para a construção da continuidade de uma arquitectura bruta e fixa é, no mínimo, surpreendente. Numa obra em que a noção de espaço está em primeiro plano, somos transportados para um universo em que, afinal, é de tempo e temporalidades que se está a falar. Isto dá-se dada a condição volátil, temporária e frágil do material utilizado. Na instalação de Bunga, o elemento performativo é o cartão, que se assume como agente activo deste espectáculo de passagem.

Ensaio de dança de Joe Moran na exposição Carlos Bunga: Something Necessary and Useful. Bailarinos: Temitope Ajose-Cutting e Eve Stainton. Fotografia: Nick Seaton © Whitechapel Gallery

Para além disto, discretamente dispostos à volta nas quatro paredes que cercam a galeria, encontram-se objectos do quotidiano, móveis de casa, uma cadeira ou uma vassoura — elementos encostados, inutilizados, que nos transportam para a ideia de interior — a casa — e que se estabelecem como aquilo que o artista parece considerar superficial e desnecessário no entendimento e percepção emocionais dos espaços.

Numa segunda sala, de menor dimensão, estão expostos alguns desenhos preliminares, estudos de Bunga, juntamente com fotografias do processo de montagem e construção da instalação na galeria. Este apontamento da exposição retira o visitante da monumentalidade da sala anterior, trazendo-o para o simbólico do interior do estúdio, evidenciando o papel activo do artista no erguer da aparentemente colossal forma arquitectónica da sala anterior. Isto é profundamente relevante nesta exposição, não se apresentando apenas como um apontamento explicativo do processo, mas conferindo uma nova camada de sentido à obra: de facto, aquela construção que impressiona pela sua dimensão foi feita a duas mãos e com recurso a poucos, ou quase nenhuns, meios tecnológicos. Isto permite-nos descer um degrau e ler a obra de uma outra perspectiva, humanizando-a.

Esta exposição pressupõe ainda que o próprio autor a vá reconfigurando ao longo do tempo, e por fim, a destrua; isto adiciona uma camada ao corpo performativo de Bunga: de facto, é o próprio artista quem se antecipa à eventual dissolução da sua obra, tornando-se agente decisivo e convocando ideias de livre arbítrio profundamente relevantes no nosso tempo. Nas suas palavras: “When we walk in that space we are walking between the past and the future and we are the present”. Para Bunga não parece existir preservação possível. Nem necessária.

Vera Matias
Artista plástica, vive e trabalha no Porto. Investiga regularmente no campo da arte contemporânea e desenvolve trabalho plástico em pintura, como parte integrante e indissociável de uma reflexão/ investigação teórica sobre o contexto português (tradicional vs. actual) e a sua relação com as próprias experiências/circunstâncias pessoais.

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CARLOS BUNGA: Something Necessary and Useful

Curadoria: Emily Butler, Mahera e Mohammad Abu Ghazaleh, com assistência de Inês Costa

Whitechapel Gallery — Galeria 2 | Londres UK
21 Janeiro — 6 Setembro 2020 | Entrada livre

Eventos associados à exposição
Materiality Will Be Rethought: Part One
Performance | Joe Moran
Quinta-feira, 19 de Março | 19:00h | £5

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Carlos Bunga (n. 1976, Porto, Portugal) vive e trabalha em Barcelona. Estudou pintura na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha.
Exposições a solo: Hammer Museum, Los Angeles (2011), Museu Serralves, Porto (2012), Museo Universitario de Arte Contemporáneo, Mexico City (2013), Haus Konstruktiv Museum, Zurich (2015), Museu d’Art Contemporani de Barcelona (2015), Museum of Art, Architecture and Technology (MAAT), Lisboa (2019), Museum of Contemporary Art, Toronto e Secession, Vienna (ambos 2020).
Exposições colectivas: Manifesta 5, San Sebastián (2004), New Museum, New York (2007), Warsaw Museum of Modern Art (2009), 14th Carrara International Sculpture Biennial (2010), 29th São Paulo Biennial (2010), Artes Mundi 6, Cardiff (2013), e Chicago Architecture Biennial (2015).
Colecções: The Museum of Modern Art (New York); "la Caixa" Collection of Contemporary Art (Barcelona); e Hammer Museum (Los Angeles).
É actualmente representado pela Galería Elba Benítez (Madrid) e Alexander and Bonin (New York).

OPINIÃO