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OPINIÃO


Bas Jan Ader, “Broken Fall (Organic)”


Bas Jan Ader, “I`m Too Sad to Tell You”


Bas Jan Ader, “On the Road to a new Neo Plasticism”


Bas Jan Ader, “On the Road to a new Neo Plasticism”


Bas Jan Ader, “On the Road to a new Neo Plasticism”


Bas Jan Ader, “In Search of the Miraculous”


Bas Jan Ader, “In Search of the Miraculous”

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JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO

2006-09-18
IMAGENS DA FOTOGRAFIA

INÊS MOREIRA

2006-09-04
ELLIPSE FOUNDATION - NOTAS SOBRE O ART CENTRE

JORGE DIAS

2006-08-01
UM PERCURSO POR SEGUIR

SÍLVIA GUERRA

2006-07-14
A MOLDURA DO CINEASTA

AIDA CASTRO

2006-06-30
BIO-MUSEU: UMA CONDIÇÃO, NO MÍNIMO, TRIPLOMÓRFICA

COLECTIVO*

2006-06-14
NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

LÍGIA AFONSO

2006-05-17
VICTOR PALLA (1922 - 2006)

JOÃO SILVÉRIO

2006-04-12
VIENA, 22 a 26 de Março de 2006


BAS JAN ADER, TRINTA ANOS SOBRE O ÚLTIMO TRAJECTO



MARCELO FELIX

2006-08-17





Procura a simplicidade e desconfia dela.
Alfred North Whitehead



A gravidade não era um problema urgente para Isaac Newton até à tarde da maçã, quando lhe ocorreu que a trajectória vertical descendente da queda não era por si mais legítima que uma parábola ou uma ascensão. Era preciso que uma verdadeira força – e não o desgaste do pedúnculo da fruta - trabalhasse para o efeito, determinando irresistivelmente o início e o final do movimento. A atracção da matéria, a atracção exercida pela terra sobre a maçã (e reciprocamente, pela maçã sobre a terra), a extensão dessa realidade ao universo, foram intuições que nasceram assim.


A gravidade interessou muito o holandês Bas Jan Ader, que encenou recorrentemente a sua própria queda. Ader caía de uma árvore, caía de um telhado, caía num canal. Também fazia cair objectos pesados, como tijolos, sobre outros objectos mais pessoais (um vaso com flores, um bolo de aniversário, lâmpadas...), cuja fragilidade lembrava a do ser humano vulnerável a forças inelutáveis, de que a gravidade é uma metáfora.


Ader acreditava na atracção irresistível do centro da terra, mas também no desgaste do pedúnculo. Aguentou enquanto pôde os pesos que segurava sobre as lâmpadas que lhe iluminavam certa performance, até não poder mais e deixá-los cair, mergulhando a cena na escuridão.


Nos filmes que fez dessas representações, a queda tem o mesmo efeito prático de supressão da luz, ao marcar o fim. A consumação da queda anuncia o fim iminente da narrativa; como se cessado o movimento, nada mais houvesse para ver. Ao contrário, as séries fotográficas permitem a fruição dos instantes captados segundo um tempo pessoal. Essa complementaridade entre os dois registos – filme e fotografia - da performance, multiplicando a intensidade da sua recepção, é um exemplo da solidez conceptual da obra de Ader.


Cair é uma condição humana, parece querer dizer-nos Bas Jan Ader, que a representava de maneira individual, a única que lhe interessava. Numa obra que se estende por meia dúzia de anos, os motivos da separação e da distância alternam-se e confundem-se; de forma desconcertante, em “I`m Too Sad to Tell You” ele limita-se a chorar para a câmara, sem que o espectador precise de discernir a razão. Um dispositivo tão simples não pode ser recebido sem desconfiança; e quem o concebe não pode deixar de sabê-lo. A ironia de Ader consiste em perceber que a sua auto-exposição com filme e fotografia provavelmente gera distância na reacção e reserva no julgamento de quem a vê; e em prosseguir mesmo assim o seu programa, como se esse constrangimento não importasse, deixando pairar a dúvida de ser afinal sincero o gesto.


Ao impor um modus operandi assente numa ironia raras vezes aberta (uma excepção é “On the Road to a new Neo Plasticism”, série fotográfica que parodia o esquematismo do compatriota Piet Mondrian), Ader salvaguarda a ambiguidade interpelante do seu trabalho. A sua tragédia pessoal (o pai, que escondia e ajudava judeus, foi fuzilado pelos nazis quando ele tinha dois anos) pode alimentar as alusões à dor, risco e morte súbita que atravessam várias das peças. Mas a estranha facilidade com que ele se instala num território avesso à leitura unívoca, e a convicção com que o faz, obrigam a voltar permanentemente a um espaço só da obra.


A sua última performance, “In Search of the Miraculous”, tomava o nome emprestado ao livro que o filósofo Piotr Uspenski consagrou aos ensinamentos recebidos do seu mestre espiritual, o místico George Gurdjieff, durante os anos da Primeira Guerra Mundial. Uspenski começa o livro explicando como o miraculoso para ele era algo alcançável apenas no Oriente, e não mais na Europa, onde há muito deixara de existir. O miraculoso que Ader buscava ia levá-lo de volta a essa Europa de onde ele saíra aos 20 anos; a geografia e a óbvia referência do regresso ao seu país (que ele não deixara de ir visitando entretanto) certamente lhe importavam menos do que a busca, sendo esta a fusão lógica da sua arte e da sua vida. Viagem de arte, vida como arte, doravante seria expectável uma necessária comunhão da ironia com a odisseia no percurso de Ader.


“In Search of the Miraculous”, jornada em três fases de Los Angeles a Amesterdão, não chegou ao fim. O veleiro de 4 metros em que Ader largara sozinho de Cape Cod em Julho de 1975, para atravessar o Atlântico com destino à Grã-Bretanha, foi encontrado dez meses depois, vogando com a proa completamente submersa, e sem sinais do corpo do piloto. Desaparecido aos 33 anos, idade boa para a lenda e para o esquecimento, Ader prolonga nesse desfecho da obra, que ele entrelaçou com a vida, a ressonância da queda que o acompanhou desde o início. O homem que ia ao encontro da gravidade - e a cujo misterioso último acidente seria aplicável um dos principia de Newton: as proposições deduzidas pela observação de um fenómeno devem ser tidas por verdadeiras até que outro fenómeno as confirme ou desminta – foi o protagonista de uma viagem que, tal como a de Ulisses, não cabia no mar onde principiou.



Marcelo Felix
Cineasta